Quando estes jogos terminam com a vitória de um dos dois, há quem fique satisfeito e quem fique devastado, como é natural. Hoje riem os que há um mês choravam. Amanhã choram os que hoje riem. Faz parte.
Não é esse misto de sentimentos que me choca. Honestamente. Não é essa bipolaridade social que incomoda. O futebol é incerteza, adrenalina, entusiasmo. Cabem nele milhões de sensações e sentimentos, em função de resultados e exibições, de golos e golões.
Consigo "entender" (com algum esforço) os impropérios de circunstância que o adepto comum atira a quente para as suas redes sociais e para a dos outros também.
Consigo "entender" a tirada infeliz, a frustração sob a forma de palavrão, o insulto dirigido ao árbitro, ao comentador, ao especialista, a todos os que, a dado momento, lhe causa angústia e revolta. É a exteriorização pontual da sua desilusão e da raiva acumulada, que evapora com o tempo e que raramente define o quilate moral de quem as atira esporadicamente para o ar.
É feio, não fica bem, mas raramente é pensado e malicioso.
O que não consigo entender - aliás, o que me recuso a entender - é quando esse tipo de postura maldizente parte de pessoas que têm obrigação moral, ética e tantas vezes profissional de controlar as suas reações públicas.
De conter o ímpeto para nunca falar cá para fora o que devia manter apenas em privado.
Refiro-me, por exemplo, a jornalistas e árbitros no ativo (como é que é possível?), a autarcas, dirigentes desportivos e até dirigentes de arbitragem. E refiro-me também a quem já terminou essas e outras carreiras na área e arroga-se agora ao direito de insultar, ofender e ameaçar aqueles com quem um dia privou de perto, com simpatia e elevação.
Foram falsos na altura ou ficaram dementes agora? Todos eles são, deixem-me dizer-vos, uma enorme desilusão pessoal.
Não por serem adeptos de A ou B, não por exercerem o livre direito à crítica, não por assumirem as suas preferências clubísticas, não por apontarem erros ou pedirem responsabilidades, mas por se permitirem ser ordinários, caluniosos e rasteirinhos na forma como, em plena praça pública, dão asas às suas frustrações.
Às vezes leio uma ou outra dessas pinceladas e penso: "Como é que é possível ter um dia respeitado e admirado esta pessoa?".
Mas, a verdade, é que depois de refletir com alguma calma e olhar para as coisas com outra serenidade, concluo que em (quase) todos já se notavam sinais de irracionalidade. Estavam camuflados, escondidos do exterior, cobertos por um lençol de fumo, mas estavam lá.
Quase todos esses "companheiros" de viagem têm em comum o facto de terem sido afastados prematuramente das funções. Basicamente despromovidos, despedidos, mandados embora antes do tempo. Porque será?
Enquanto esse notório ressabiamento lhes der força para serem o que agora revelaram ser, é importante que o futebol continue a identificar genes idênticos naqueles que ainda estão no ativo, pensando em formas de lhes oferecer saídas compulsivas.
Se não têm ética, se são ofensivos e ordinários, se levantam suspeitas sobre tudo e todos, se promovem incêndios públicos, se levantam insinuações mentirosas a toda a hora, que vão espiar as suas desilusões para outras paragens. O desporto dispensa fanáticos que, na verdade, não passam apenas de uns pobres de espírito.