Estreado no recente Festival de Veneza, eis um filme que não passou pelas salas portuguesas e que, por isso mesmo, é uma verdadeira revelação no espaço do streaming cinematográfico: em “O Conde”, o realizador chileno Pablo Larraín propõe uma visão desconcertante do ditador Augusto Pinochet, não exactamente através de uma convencional evocação histórica, mas representando-o como um… vampiro!
Convém, por isso, não favorecer equívocos de percepção e assinalar duas fundamentais dimensões deste projecto. Em primeiro lugar, não se trata de retomar as tradições do “filme de vampiros”, em especial a que teve como principal encarnação, na produção britânica dos anos 1950/60, o lendário actor Christopher Lee; depois, apesar do tom festivo de farsa que, evidentemente, resulta da premissa dramática de Larraín, este é um filme adulto — e para adultos.
Através de um notável encenação a preto e branco (o director de fotografia é o veterano Edward Lachman), Larraín apresenta, assim, uma personagem cujas origens remontam ao século XVIII e, mais concretamente, à Revolução Francesa. O futuro Pinochet assiste às convulsões revolucionárias, prometendo a si próprio usar os seus poderes para combater, em qualquer parte do mundo, as forças da liberdade.
Passados 250 anos, o Pinochet de Larraín é um ser desencantado, não conseguindo compreender a “ingratidão” do povo chileno perante os tempos de ditadura, repressão e morte que ele próprio protagonizou. E tanto mais quanto surgem os seus filhos, todos eles apostados em discutir os destinos da sua herança.
Larraín filma um pesadelo histórico, agora nos ambientes artificiosos, delirantes e barrocos da vida de um implacável vampiro. Importa lembrar que na sua filmografia encontramos vários filmes sobre os tempos de Pinochet: “Tony Manero” (2008), “Post Mortem” (2010) e “Não” (2012): são histórias realistas de violência e sofrimento que, agora, se prolongam através da saga de uma figura monstruosa que se alimenta de sangue — como o próprio Larraín explica neste video, tratava-se de estabelecer um ziguezague entre a crueza da história e a comédia negra.
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