Numa altura em que se fala muito da "integração" de personagens de mulheres no universo dos super-heróis, talvez valha a pena lembrar que houve quem propusesse figuras femininas em registos tradicionalmente dominados por homens sem necessidade de colar a tal facto um selo algo simplista de "militantismo". Observe-se o exemplo de "Salt" (2010), com Angelina Jolie (já disponível em streaming), "thriller" de espionagem executado com especial competência e energia espectacular.
Podemos começar por descrever o filme a partir de um cliché: "James Bond no feminino"… Assim será, mas o certo é que a personagem interpretada por Angelina Jolie — Evelyn Salt, uma agente da CIA acusada de fazer espionagem para a Rússia — se distingue por uma singularidade dramática que, obviamente, não é estranha às qualidades da sua intérprete.
As premissas da história fazem lembrar um pouco um clássico do género: "Os Três Dias do Condor" (1975), uma realização de Sydney Pollack com Robert Redford no papel central. Tal como a personagem de Redford nesse filme, também Salt se vê forçada a esclarecer a lógica da sua acção, enfrentando as mais variadas ameaças externas e, sobretudo, internas.
Philip Noyce, o realizador, ainda que distante da sofisticação de Pollack, volta a mostrar a sua capacidade para trabalhar a partir de modelos tradicionais, emprestando-lhes novas componentes — da vertigem da acção física às nuances das sequências mais íntimas. Além do mais, "Salt" reflecte um requinte de produção particularmente sensível no tratamento das imagens: a direcção fotográfica é da responsabilidade de Robert Elswit, um dos grandes mestres do "visual" do cinema americano das últimas décadas, já distinguido com um Óscar por "Haverá Sangue" (2008), de Paul Thomas Anderson.