Como foi amplamente noticiado, em finais de 2022, a revista britânica “Sight and Sound”, editada pelo British Film Institute, voltou a divulgar os resultados do seu inquérito internacional que, de dez em dez anos (desde 1952), elege os “melhores filmes de todos os tempos”. Pois bem, o título que colheu mais votos — “Jeanne Dielman” (1975), de Chantal Akerman — pode agora ser visto ou revisto graças ao streaming.
Não se trata, entenda-se, de discutir as escolhas que foram feitas, muito menos de especular sobre títulos alternativos que poderiam ter sido considerados pelos 1.639 votantes. Crei que esse tipo de derivações nunca é muito interessante; em qualquer caso, o simples facto de eu ter sido um dos votantes inibe-me de qualquer proposta desse teor. O que me parece significativo é o modo como “The Greatest Films of All Time” propõe, de facto, uma sugestiva janela de conhecimento e reconhecimento da pluralidade de mais de um século de cinema.
Quanto a “Jeanne Dielman”, creio que importa, sobretudo, destacar a singularidade de um filme exemplar do talento e da originalidade da filmografia de Chantal Akerman (1950-2015). Interpretada pela admirável Delphine Seyrig (1932-1990), grande dama do cinema de língua francesa, Jeanne é, de facto, uma das mais elaboradas personagens femininas criadas pela cineasta belga: uma mulher de Bruxelas que vive uma rotina dividida entre cuidar do seu filho estudante e receber homens que lhe pagam para fazer sexo…
Akerman parte daquela rotina para, metodicamente, através de uma “mise en scène” austera, ir revelando a traumática teia de solidão que parece recobrir tudo e todos. A banalidade paradoxal daquela existência está, desde logo, sublinhada no título completo do filme, referindo a morada da personagem. Ou seja: “Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelles”.