A estreia, esta semana, do filme “Emily”, de Frances O’Connor, propondo um retrato invulgar e fascinante de Emily Brontë (1818-1848), é um bom pretexto para vermos ou revermos uma adaptação do seu romance mais famoso, e também mais universal. Ou seja: “O Monte dos Vendavais”.
Convenhamos que a sugestão não tem nada de óbvio. Isto porque, entre cinema e televisão, são dezenas as adaptações de “O Monte dos Vendavais”, de uma maneira ou de outra reflectindo contextos de produção muito diversificados. Assim, o streaming pode conduzir-nos a uma das mais originais dessas adaptações que é também, em boa verdade, uma das menos conhecidas — trata-se de um título mexicano de 1953 e tem assinatura do mestre espanhol Luis Buñuel (1900-1983).
Estamos perante um momento emblemático do período mexicano de Buñuel que teria o seu ponto mais alto, dois anos mais tarde, com “Ensaio de um Crime”. Ao adaptar “O Monte dos Vendavais”, ele começa por deslocar o contexto da acção: da região inglesa de Yorkshire para o México (também no século XIX) — Cathy passa a ser Catalina e Heathcliff foi renomeado Alejandro, interpretados, respectivamente, por Irasema Dilián e Jorge Mistral.
É verdade que as linhas de força dramáticas do romance de Brontë estão presentes — esta continua a ser uma saga de paixões intensas e do assombramento que as pode despedaçar. Mas não é menos verdade que, expondo as regras morais que marcam as atribulações dos amantes, Buñuel aproxima as respectivas sugestões simbólicas de um universo eminentemente espanhol e católico. Um curioso exercício possível será comparar esta versão de “O Monte dos Vendavais” com a que William Wyler dirigiu em 1939, em Hollywood, com Merle Oberon e Laurence Olivier… Moral da história: eis como o mesmo livro pode gerar dois objectos de cinema tão diversos e tão brilhantes.
Para compreendermos um pouco melhor a riqueza e complexidade do universo buñueliano, aqui fica a emissão que lhe foi dedicada na série televisiva francesa “Cinéastes de Notre Temps” — uma produção de 1964 com realização Janine Bazin e André S. Labarthe.