Falecido no dia 10 de fevereiro, contava 91 anos, na cidade de Collado Mediano (cerca de 50 km a norte de Madrid), Carlos Saura será um autor algo esquecido, ou mesmo ignorado, pelos espectadores mais jovens. Na melhor das hipóteses, o seu nome poderá ser associado a alguns títulos das últimas décadas da sua obra, em que procurou inventar cenografias específicas para várias matérias musicais — penso, por exemplo, em Carmen (1983), nomeado para o Oscar de melhor filme estrangeiro, Flamenco (1995) e, claro, Fados (2007), rodado com a contribuição de uma galeria de várias gerações de fadistas.
Mesmo reconhecendo os riscos criativos assumidos por tais filmes, creio que importa lembrar o núcleo da sua fundamental contribuição para a história do cinema, quer espanhol, quer europeu. Saura, foi, de facto, um dos brilhantes inovadores da produção espanhola, em especial ao longo das décadas de 1960/70, directa ou indirectamente reflectindo o clima ditatorial do franquismo através de narrativas capazes de combinar um descarnado realismo com uma sofisticada dimensão simbólica.
Nesta perspectiva, A Caça (1966) é uma referência obrigatória no panorama do “novo cinema” europeu, totalmente a par do que estava a acontecer em países como França, Portugal ou Checoslováquia. Com claras influências de Luis Buñuel [trailer aqui em baixo], aí encontramos a saga de um grupo de caçadores que, a pouco e pouco, se vai transfigurando numa parábola política tão subtil quanto desencantada.
Depois, encontramos outros títulos marcantes, nomeadamente aqueles em que dirigiu Geraldine Chaplin no período em que foram casados (1967-79). Lembremos o caso exemplar de Peppermint Frappé/Ideia Fixa (1967), um melodrama tradicional que adquire inesperados contornos trágicos, ou ainda Ana e os Lobos (1973) e Cría Cuervos (1976). Infelizmente, de todos estes filmes, apenas Fados se encontra disponível numa plataforma de streaming (Filmin) — é caso para dizer que importa redescobrir a herança de Carlos Saura.