Eis uma dupla oportunidade: por um lado, reencontrar ou descobrir um filme com imagens a preto e branco, contrariando o preconceito segundo o qual a "cor" é o estado "normal" do cinema — em boa verdade, metade (ou mais) da história do cinema existe a preto e branco; por outro lado, deparar com uma realização de David Lynch que se distingue claramente da "imagem de marca" que, pelo menos desde a série "Twin Peaks" (1990-91), o associa apenas a narrativas mais ou menos fantásticas ou surreais.
Falamos de "O Homem Elefante", drama eminentemente clássico de 1980 que foi produzido por um nome grande da comédia "made in USA": Mel Brooks (através da sua companhia, Brooksfilms). Nele se evoca a história dramática de John Merrick, um homem atingido por uma doença óssea que deformou, de forma brutal, a sua cabeça.
Tudo se passa na época vitoriana, em Londres, com Merrick, muito fragilizado pela sua doença, a ser explorado como "vedeta" de um circo de monstruosidades. Graças a Frederick Treves, um médico que investiga, precisamente, aquele tipo de deformações anatómicas, Merrick vai poder ser acompanhado e, acima de tudo, viver de acordo com a sua dignidade humana.
Com John Hurt no papel de Merrick e Anthony Hopkins a interpretar Treves, Lynch filma tudo isso com a sensibilidade e o pudor de quem está, afinal, a expor a saga de alguém a conquistar o seu próprio lugar na sociedade. "O Homem Elefante" permanece como um caso exemplar de um filme de estranho e envolvente realismo, celebrando a complexidade do factor humano e também, implicitamente, o poder revelador da arte cinematográfica.