Saúde e Bem-estar

“Mas onde é que eu vou parir?”

Opinião de Ana Cristina Pereira, enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica. É urgente olhar para o parto de forma diferente. É urgente acabar com o medo e permitir nascer de forma mais tranquila e saudável. É urgente!
Canva

Ana Cristina Pereira

Já dizia Michel Odent que “para mudar o mundo, precisamos mudar a forma de nascer”, mas a verdade é que se sucedem os relatos das grávidas e dos casais que acompanho, e que em resposta à acrobática dinâmica de fecho e abertura das maternidades em Portugal, mudam totalmente os seus planos quando a bolsa rompe ou surgem as primeiras contrações.

Na zona da grande Lisboa o transtorno traduz-se em “apenas” alguns quilómetros, mas pouco se fala do verdadeiro transtorno: a qualidade do local, da equipa e dos cuidados fazem toda a diferença na experiência de um parto não só saudável mas também feliz.

A ansiedade sobre este tema tem vindo a aumentar, começando muitas vezes com a pergunta, “mas onde é que eu vou parir?”, no momento em que se vê a risca do teste positivo aparecer.

A verdade é que o direito de referenciação hospitalar da grávida de baixo risco entre as 35 e as 37 semanas para monitorização da reta final da gravidez fica inúmeras vezes sem resposta, acrescentando este peso, medo e insegurança, a quem deveria viver o momento mais sereno (pelo menos) das suas vidas.

Penso muitas vezes, como é possível promover uma vivência saudável da gravidez, se o estado emocional de quem atualmente engravida, está assombrado pelo fator sorte ou do logo se vê no momento do parto.

Torna-se difícil refletir sobre intenções e pôr em marcha planos de nascimento, quando o casal não conhece ou nem se identifica com os recursos físicos e humanos de quem o recebe e é literalmente atirado para campo desconhecido.

A par de tudo isto surgem ainda relatos de transferências à pressa, por falta de vagas,” de cá para lá e de lá para cá” como na história infantil do cuquedo, que pouco ou nada promovem o bem estar materno necessário à fisiologia natural de quem vive um trabalho de parto.

A “escolha”, (se é que assim se pode chamar), recai tantas vezes no setor privado, onde apesar da elevada probabilidade de ser brindado com uma cesariana, há outra hotelaria que enche o olho e traz o consolo possível. Reflito muito sobre a sobrecarga das equipas de saúde e de alguns profissionais que conheço no terreno, que na dança do abre e fecha, se revezam em mais horas, turnos duplos e insatisfação sobre as suas (nossas) condições de trabalho, mas que ao mesmo tempo comparecem com o coração e a evidência, para continuar a proporcionar experiências de parto memoráveis.

Num país que há vários anos se torna cada vez mais envelhecido e em que a taxa de natalidade tem vindo a decrescer, a falta de condições e medidas que alterem o paradigma que estamos a viver pode ser um jogo perigoso e que poderá ter consequências muito graves para todos nós.

É urgente olhar para o parto de forma diferente. É urgente acabar com o medo e permitir nascer de forma mais tranquila e saudável. É urgente!


Últimas