País

Pós-parto: dançar ao sabor da música

Opinião de Ana Cristina Pereira, enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica. Pós-parto: nem sempre este tempo é externamente valorizado e reconhecido. A versão moderna da sociedade envia-nos subliminarmente a mensagem de voltar rapidamente ao que(m) éramos.
milorad kravic

Ana Cristina Pereira

É muito frequente que durante a preparação para o nascimento de um filho, o enfoque esteja no parto. O mistério que envolve o nascimento, o medo da dor ou do seu desfecho, bem como a expectativa de viver uma experiência única e inesquecível, canalizam os esforços e intenções de todos os seus intervenientes nessa direção.

Mas, para mim, enquanto enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica e doula de pós-parto, o tempo que se segue ao nascimento de um filho e ao qual chamamos puerpério ou pós-parto merece igual “devoção”.

A maioria das famílias que visito após o parto refere que não estava preparada para a intensidade deste período com múltiplas frentes e desafios.

Durante o pós-parto, o corpo da mãe recupera gradualmente a “sua” forma, após ser casa e caminho para o bebé nascer. Se a mãe optar por amamentar existem novos desafios, sensações e aprendizagens a fazer. Também as emoções de todos se agigantam perante tudo o que estão a viver, galvanizadas pelo cansaço, privação de sono e dúvidas normais de quem assume este novo papel. Os ritmos maternos ajustam-se às necessidades de um recém-nascido que gradualmente se reconhece fora do útero e que carece de toda a atenção nesta delicada transição.

Mas considero que nem sempre este tempo é externamente valorizado e reconhecido.

Voltar rapidamente ao que(m) éramos?

A versão moderna da sociedade envia-nos subliminarmente a mensagem de voltar rapidamente ao que(m) éramos.

Contudo, no passado e atualmente noutras culturas, as novas mães e as novas famílias recebem uma atenção e cuidado diferenciados durante o pós-parto.

A mãe recém-nascida é reverenciada e respeitada, recebendo por parte de familiares, profissionais e restante comunidade cuidados físicos, emocionais e espirituais que lhe permitam uma recuperação saudável e amorosa e o tempo necessário para conhecer o seu bebé e se reconhecer no papel de mãe.

Acredito que esta experiência de cuidados no pós-parto é essencial e benéfica para a saúde familiar a todos os níveis, pelo que, urge implementar programas de preparação para o nascimento e parentalidade com um espaço inteiramente dedicado a este tema.

A proposta é de uma reflexão familiar sobre temas como: a rede de apoio, as necessidades e expectativas do casal, bem como a gestão prática de tarefas ou outros filhos, e de tudo o que influencie este período num documento escrito a que chamo de plano pós-parto.

Desta forma, acredito que é possível prevenir ou minimizar alguns desafios bem como definir estratégias e prioridades familiares, que favoreçam não só uma tomada de consciência sobre o cenário do pós parto mas acima de tudo uma experiência real e positiva.

Por último, recordar o essencial a quem se prepara para ser pai ou mãe: o pós parto é um tempo com um compasso muito próprio que “apenas” pede que sejam pais e dancem ao sabor e ao ritmo da música deste novo amor.

Últimas