Em retrospetiva, percebo que já havia um bichinho desconcertante nessa altura, já que não me saía da cabeça um pensamento que me inquietava:
"Um bebé não nasce para afastar os pais um do outro!". Claro que não! E deixo já esclarecido, a culpa de um afastamento, conflito ou separação de um casal nunca é dos filhos.
Mas as histórias de desconexão ou mesmo separação do casal continuavam, a perceção sobre o tema persistia e a inquietação acabou por me fazer mergulhar no tema da Conjugalidade e nas suas interferências ao longo das várias fases da vida, nomeadamente, depois do nascimento de um filho - primeiro, segundo, terceiro...
Entre a sociologia, a psicologia, os autores antigos e os investigadores de agora, percebemos não só que os desafios parentais se multiplicaram desde a década de 80, mas também que o impacto da Parentalidade na Conjugalidade e vice-versa é bastante expressivo.
Entre o desenvolvimento dos movimentos sociais que reduzem o tempo em família, a alteração dos papéis parentais e profissionais e a democratização das práticas educativas, somado às exigências de se almejar uma parentalidade perfeita, a identidade de cada pai e de cada mãe é asfixiada e a conjugalidade é posta à prova com tremores de terra que correm o risco de terminar num abismo.
Faz sentido? Se sim, então, o nascimento de um bebé resulta inevitavelmente numa relação conjugal catastrófica? Surgia-me uma nova inquietação. Esta premissa não me fazia qualquer sentido. Maioritariamente, e não me irei focar nas exceções, um bebé nasce de um lugar de amor. E ainda surgia outra questão:
E os casais que têm os seus filhos e conseguem preservar a relação conjugal?
Nascer como mãe e ver o meu par nascer como pai, pela primeira e pela segunda vez, fez-me perceber melhor as leituras e para lá delas. Quando um bebé nasce, nasce um novo pai e uma nova mãe e podem nascer irmãos, nascem avós e tios, nasce uma nova família. Nascem novos desafios, novas alegrias, novos conflitos, novas incertezas, novas tentativas e novas conquistas.
Se, por um lado, conciliar papéis pessoais, profissionais, conjugais e parentais se pode tornar num filme de cowboys e até se torna mais fácil culparmos o outro adulto lá de casa por aquilo que não nos dá, ou se a desilusão da ilusão que se criou se pode virar contra o outro e contra nós próprios, por outro sabemos que é na entropia do sistema que há a possibilidade de transformar, de crescer, de aprender a viver de uma forma mais adequada e adaptada à nova realidade.
Dizer em voz alta "é difícil!" tão bem quanto "é maravilhoso!"
Como? Através de conhecimento e compreensão, de consciência da mudança e dos abanões a que ela obriga, de reconhecimento dos recursos individuais, do casal e da família e de saber que a incerteza é certa. E foi depois de me aperceber de todos estes elementos que nasciam, ou seja, além do bebé, a mãe, o pai, a família, que senti falta de fazer nascer um lugar seguro e de confiança para abordar todas estas questões que os tradicionais cursos de preparação para o parto não abordam.
Assim nasceu o "Programa da Gravidez à Parentalidade" e com ele oportunidades de os casais se prepararem para toda a transformação que o nascimento de um bebé acarreta.
Além disso, no trabalho que desenvolvo com os casais que me procuram na fase da gravidez, faço questão de clarificar que eu não sei as respostas certas e a segurança não é sobre saber tudo.
A segurança é sobre aceitarmos que é impossível prever tudo mas que se em vez de se agarrar na espada a cada discórdia ou incerteza, se soubermos comunicar com honestidade e compaixão, se reconhecermos as vulnerabilidades e os seus recursos, se soubermos dizer em voz alta "é difícil!" tão bem quanto "é maravilhoso!", a ligação entre o casal fortalece em vez de esmorecer e no ambiente familiar prevalece a harmonia.
Porque afinal, quando nasce um bebé, nasce uma nova família.