A 24 de fevereiro de 2022 começou a ofensiva militar russa na Ucrânia e começou também aquela que é já considerada a pior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
Ao longo do último ano, mais de 8 milhões de ucranianos fugiram em busca de paz. Portugal recebeu pelo menos 57 mil pessoas. A Grande Reportagem acompanhou quatro famílias que procuraram refúgio no nosso país. Hoje, contamos a história de Daria Yeremenko, uma das protagonistas da reportagem "De tudo o que é meu sinto falta".
À pergunta "o que recordas dos primeiros dias de guerra?", Daria responde, sem hesitar, que são os momentos passados num bunker. Sentada, à espera, com esperança de que tudo não passasse de um equívoco qualquer. Mas, bastou um dia para perceber que a guerra ia durar muito tempo.
Uma mochila e mais nada
Daria saiu da Ucrânia com um grupo de amigos. Entraram na Polónia numa altura em que o êxodo estava no auge, com milhares de pessoas em fuga, sobretudo mulheres e crianças. A travessia até à fronteira demorou 4 horas "mas estava tanto frio que pareceram dois dias".
De casa levou apenas uma mochila com o essencial. Mas a bagagem que carrega é bem mais pesada.
"A guerra ensinou-me que a qualquer momento podemos ficar sem nada". Daria Yeremenko
Recorda-se de um desconhecido lhe ter emprestado roupa. E de haver, do lado de lá da fronteira, voluntários que ofereciam comida e bebidas quentes aos refugiados.
Da Polónia seguiu para França onde soube de compatriotas em Portugal dispostos a ajudar. Viajou para a cidade do Porto e através de uma associação de imigrantes ucranianos conheceu a mulher que lhe abriu a porta de casa e a ajudou nos primeiros meses em Portugal.
Paula Caldeira estava chocada com as imagens que via na televisão e sentiu que devia ajudar. Tinha um quarto vago e "onde come um, comem dois". Começou assim uma ligação que perdura até aos dias de hoje. Um ano depois de se terem conhecido.
"Foi uma grande ajuda. Deu-me a casa dela e também me deu uma grande família".
Orgulho em ser ucraniana
Com um teto para ficar, Daria dedicou-se ao que mais gosta de fazer: dançar ao som de House e Hip Hop. A jovem bailarina e coreógrafa conseguiu uma bolsa do Teatro Nacional S. João (TNSJ) para artistas ucranianos refugiados em Portugal.
Durante vários meses esteve absorvida pelo trabalho no âmbito da bolsa. Desenvolveu um projeto de videodança e fez workshops para crianças ucranianas. Diz que foi o período mais intenso da sua vida em termos criativos. A guerra é alimento para a criatividade. E desperta sentimentos que não existiam, como o orgulho em ser ucraniana.
Pouco mais de meio ano depois de ter chegado a Portugal Daria conseguiu dar um passo rumo à independência. Deixou a casa de Paula e alugou um quarto. Não tem grande folga orçamental mas vai conseguindo aguentar-se com o dinheiro da bolsa, e o Rendimento Social de Inserção (RSI) que recebe do Estado português.
Apesar de estar inscrita no Centro de Emprego ainda não teve nenhuma proposta de trabalho. E disso depende a sua permanência em Portugal. Mas Daria não gosta de fazer planos a longo prazo. Vai vivendo um dia de cada vez. Por agora está focada nas aulas de português e num projeto artístico que está a tentar desenvolver à volta do tema dos refugiados.
Amanhã, publicamos a história de Illia Todorovsych.