As Nações Unidas dizem que é a pior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. A 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia lançou uma ofensiva militar na Ucrânia, começou o êxodo de mais de 8 milhões de ucranianos. A Portugal chegaram pelo menos 57 mil.
A Grande Reportagem acompanhou quatro famílias que procuraram refúgio no nosso país. Hoje, contamos a história da família de Inna Karpenko, uma das protagonistas da reportagem "De tudo o que é meu sinto falta".
Inna Karpenko lembra-se bem do discurso do presidente russo Vladimir Putin a declarar o início de uma "operação militar especial" na Ucrânia. No dia seguinte acordou com o barulho dos vizinhos a correrem e o som de explosões. O telefone do marido tocou e ele disse-lhe: "O Putin atacou-nos!". Depois do choque inicial, veio "uma inexplicável sensação de ansiedade e preocupação" que se prolongou pelos dias seguintes.
A fuga de Dnipro
Era sobretudo à noite que o coração de Inna parecia querer "saltar fora do peito". Quando soavam as sirenes de ataque aéreo ficava sem saber o que fazer: será que devia acordar a filha e correr para a cave?
Passaram-se várias noites e dias até tomar a decisão de fugir dali para fora com a filha Sofia, de 4 anos, e a mãe Olga Karpenko. Pegaram em algumas roupas, algum - pouco - dinheiro, e apanharam um comboio. Pararam em Lviv para descansar num café/restaurante que já estava a acolher ucranianos em fuga da guerra. Foi aí que se cruzaram com uma equipa da SIC. Enquanto o repórter de imagem Rafael Homem filmava, o jornalista Bruno de Castro Ferreira perguntou a Olga se gostaria de ir para Portugal.
A resposta foi imediata: "Sim!" Foi o suficiente para alguém pegar no telemóvel e telefonar para um contacto em Portugal. Do outro lado da linha, Fernando Carvalho não hesitou em resgatar Olga, Inna e Sofia.
“Fiz aquilo que gostava que me fizessem a mim”. Fernando Carvalho
Inna tem 30 anos. A filha 4. Confessa que estava apavorada por aceitar a ajuda de um desconhecido. Por aqueles dias já circulavam relatos da existência de redes de crime organizado que se dedicavam à exploração dos refugiados mais vulneráveis, sobretudo mulheres e crianças. Encheu-se de coragem e aceitou a ajuda mas só sossegou quando chegou a Barcelos e viu a casa onde ia ficar com a filha e a mãe.
A vida em Portugal
Fernando Carvalho pagou as viagens de avião, foi esperá-las ao aeroporto do Porto, deu-lhes alojamento e tudo o que fazia falta para os primeiros tempos longe de casa. Mobilizou uma série de amigos e vizinhos para que nada faltasse às refugiadas ucranianas. Todos ajudaram, com comida, roupa e brinquedos.
As primeiras semanas em Barcelos foram passadas a tratar de burocracias. Pediram Proteção Temporária, um regime que inclui automaticamente um Título de Residência, um número de Identificação Fiscal (NIF), um número de Identificação da Segurança Social (NISS) e um número de utente do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Com estes números os refugiados têm acesso a vários serviços, como cuidados de saúde em estabelecimentos públicos, apoios sociais e inscrição em ofertas de emprego, entre outros. Para assinar um contrato de trabalho, por exemplo, precisam de ter um NIF atribuído.
Através de Fernando Carvalho, Inna - que na Ucrânia tomava conta de crianças - conseguiu arranjar trabalho numa fábrica têxtil.
Os colegas elogiam a rapidez com que aprendeu a revistar as peças de roupa: ver se têm pontos falsos e se estão bem confecionadas. Inna diz que gosta do trabalho, mas o salário mínimo não chega para suportar todas as despesas sem a ajuda de outras pessoas.
Na fábrica todos perceberam que a jovem ucraniana estaria de passagem porque as saudades são difíceis de suportar.
“Do marido, da minha casa, da minha cama, das minhas coisas, de tudo o que é meu sinto falta”. Inna Karpenko.
Apesar de gostarem do país, de sentirem que foram apoiadas e acarinhadas, Inna, Olga e Sofia voltaram para a Ucrânia no verão.