Grande Reportagem SIC

"Faz as malas e sai porque começou a guerra!"

Roksolana Perkhach nunca mais vai esquecer o telefonema que recebeu às 5 da manhã de 24 de fevereiro de 2022. Estava grávida e sentiu-se perdida, mas acabou por fugir com o filho de 6 anos. Viveu em Portugal, mas, apesar da gratidão, regressou à Ucrânia seis meses depois.

Roksolana Perkhach
SIC

Susana Bastos

A pior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial começou a 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia lançou uma ofensiva militar na Ucrânia. Mais de 8 milhões de pessoas fugiram da guerra. Desde a primeira hora, Portugal disponibilizou-se a acolher refugiados ucranianos. No último ano, ao nosso país, chegaram pelo menos 57 mil.

A Grande Reportagem acompanhou quatro famílias que fugiram da guerra e vieram para Portugal. Hoje, contamos a história da família de Roksolana Perkhach, uma das protagonistas da reportagem "De tudo o que é meu sinto falta".

O caos na cidade de Radehiv e a fuga

Roksolana Perkhach nunca mais vai esquecer o telefonema que recebeu às 5 da manhã de 24 de fevereiro. Do outro lado da linha o marido disse-lhe: "Faz as malas e sai porque começou a guerra!" Roksolana entrou em pânico e começou a chorar baixinho para não acordar o filho Danylo, de 6 anos, que estava a dormir.

Quando amanheceu, com o caos instalado na cidade de Radehiv, no distrito de Lviv, Roksolana conseguiu apenas comprar alguns bens essenciais e fugir com o filho, primeiro para a Polónia, depois para Portugal, onde havia uma família disposta a ceder-lhes alojamento. Estava grávida de 27 semanas.

À chegada a Portugal, Roksolana percebeu que tinha sido enganada. A prometida casa no Algarve era afinal um quarto, pago a peso de ouro.

"Quando fui para Albufeira pediram um valor exorbitante e percebi que não ia conseguir pagar. Eu e o Danylo tínhamos um quarto. Disseram que eu pagava 300 euros, o meu filho 150 e o bebé quando nascesse outros 150".

Sem dinheiro para pagar estes valores, Roksolana pediu ajuda a uma ucraniana que não via há 20 anos: Maria, a amiga de infância, que veio para Portugal aos 10 anos de idade.

Um T2 pequeno para tantas pessoas

Nos primeiros dias ficaram em casa dos pais de Maria, que entretanto também receberam familiares que fugiram da Ucrânia. O apartamento, um T2, tornou-se pequeno para tantas pessoas.

Sem dinheiro para alugar uma casa, Roksolana e o filho foram para um centro de acolhimento temporário para refugiados que a Câmara Municipal de Gondomar instalou numa antiga estalagem junto ao rio Douro.


Apesar de não lhes faltar nada e de serem acompanhados por uma assistente social, a vida no centro é difícil para quem, de um dia para o outro, fica totalmente dependente de terceiros para viver.

"Estas pessoas não estão habituadas aos registos da caridade, da subsidiodependência. São pessoas que tinham uma vida como qualquer um de nós, autónomas, independentes e que de um momento para o outro se viram numa situação muito frágil". Cláudia Vieira, vereadora da Coesão Social, na Câmara Municipal de Gondomar

Roksolana diz que se sentiu "perdida" depois de todos os seus planos de vida terem sido destruídos num dia. Angustiada por ter o marido na guerra. Preocupada com as mudanças de comportamento do filho. "Todas as manhãs ele acorda e pergunta: "já acabou a guerra", conta à SIC Notícias.


Parto "provocado" pela má notícia que chegou da Ucrânia

Na segunda semana de maio, Roksolana deu entrada de urgência no hospital depois de saber que o marido foi ferido em combate. A aflição provocou o nascimento antecipado do bebé.

Sem falar ou perceber uma palavra de português, Roksolana teve ao seu lado, durante a cesariana, a amiga de infância. Sem Maria a fazer de acompanhante, e sobretudo de tradutora, o parto por cesariana teria sido uma experiência difícil de suportar.

A filha nasceu na madrugada de 13 de maio, no hospital de S. João, no Porto. A pedido do pai chama-se Roksolana (como a mãe). Por vontade da mãe chama-se também Maria, em homenagem à amiga de infância, futura madrinha do bebé, e em homenagem à Virgem Maria.

Quando teve alta do hospital Roksolana já não regressou para o centro de refugiados porque a Câmara de Gondomar encontrou um proprietário disposto a ceder gratuitamente uma casa.

"Do fundo do meu coração eu digo que são pessoas maravilhosas e sinto-me muito grata". Roksolana Perkhash

A tristeza e o regresso à Ucrânia

Apesar do sentimento de gratidão, percebe-se a tristeza no olhar de Roksolana. Sem poder trabalhar, dependente da solidariedade, com saudades da Ucrânia, e do marido. Tem medo da guerra mas a decisão está tomada: no início de agosto Roksolana e os dois filhos voltaram para casa.

Foi por essa altura que a Segurança Social lhe atribuiu os prometidos apoios para os refugiados ucranianos: Rendimento Social de Inserção e abono de família. Mas o dinheiro já não chegou a tempo de fazer a diferença.

Amanhã, publicamos a história de Inna Karpenko.


Últimas