Ora o jornalismo de investigação vai sempre à procura do oculto, das vozes e dos lugares que se escondem debaixo das pedras. Vozes e lugares que se escondem para continuarem protegidos. Escondidas e protegidas, essas vozes e esses lugares tornam-se invisíveis.
O jornalismo de investigação destapa o invisível. Se é viável fazê-lo por palavras, é mais complexo fazê-lo através do som e, para o fazermos através da imagem teremos de subir outro degrau na escala da complexidade.
As duas reportagens que a SIC emite – “A Lavandaria” episódios 1 e 2 – tiveram de subir esse degrau, contornando o paradoxo que afasta televisão de investigação.
A Lavandaria reconstrói um mega processo judicial nunca contado e que só agora está prestes a chegar ao fim. Aguarda-se, apenas, uma decisão, meramente formal, pendente no Tribunal Constitucional.
A história conta-se a partir de muitas horas de consulta de milhares de documentos. Parte das peças judiciais foram chegando às mãos da SIC a conta-gotas, o que atrasou o ritmo de descodificação plena da história. Ao jornalismo que investiga um mega processo não basta ler o acórdão que, judicialmente, o encerra. É preciso escavar, bater a cada uma das portas dos visados, apreender o crime nas suas diferentes facetas, ler depoimentos em tribunal que serviram de base à condenação… Esse trabalho de muitos dias é apenas o início do longo trabalho. A televisão, por ser demasiado exigente, quer muito mais do que leituras. A televisão vive da expressão visual dessas leituras.
Mas à Lavandaria faltaram as entrevistas; sobraram as conversas informais, que não foram filmadas. À Lavandaria faltaram as imagens dos diferentes protagonistas: de um lado a rede de tráfico de droga; do outro a rede que branqueou os proveitos do crime.
E uma história sem imagens não é (não pode ser) uma história de televisão.
Mas se a matéria jornalística é forte; se os contornos que a revestem são preciosos e de interesse público… Se tudo isso, como fazer?
A solução encontrada – a metáfora visual – é sempre um risco. Criamos uma espécie de universo simbólico onde a personagem principal, o líder da rede de branqueamento, se transforma num marionetista que vai manipulando diversos testas de ferro (marionetas). E se a organização criminosa colapsa porque há, dentro dela, uma toupeira, filmamos buracos de toupeira. Esse simbolismo literal é um risco assumido. Se a fronteira entre o ridículo e o bom senso se quebra, o ridículo contamina toda a narrativa e a história colapsa.
Nestes dois episódios da Lavandaria há, todavia, soluções mais contidas. A partir de uma má fotografia, o infografismo da SIC compõe um cartaz que passa a ser o elemento que identifica a personagem principal da história. E esse cartaz vai circulando pelos diversos lugares da narrativa. E a esse cartaz juntaram-se dezenas de outros… Até que a história – quase toda – se conta através de cartazes. Um repórter de imagem, que assume o papel de diretor de fotografia, tal o brilho estético
presente em cada imagem; um editor de imagem que compõe o enredo ao jeito de uma sequência visual e sonoramente forte; uma equipa oleada e focada, que discute, corta, constrói, destrói, reconstrói … Com todos esses ingredientes se faz um longo formato jornalístico televisivo, no caso uma Grande Reportagem. E a história invisível, aos poucos foi ganhando contornos, depois imagem, depois sentido.