Aos 46 anos, tem estatuto de cliente preferencial. Queima 80 euros por dia nesta sala de consumo, sem paredes, nem teto. Há 28 anos que é assim. Uma vida estrangulada por sucessivos garrotes que lhe matam o corpo e a alma. Podia ser um grande advogado, mas não é. Podia ser um bom pai, mas também não é. Podia ser tanta coisa: "os meus filhos são a única coisa que eu , realmente, quero mais do que a heroína mas não o suficiente para a deixar", afirma sem pestanejar.
Lourenço estima que gastou mais de um milhão de euros em droga : "ando sempre meio perdido. A nível material tenho tudo o que preciso, tenho carro, mota, casa mas não sou nada feliz. Tenho um vazio existêncial que é muito facilmente preenchido pela heroína" .
Com o final do Casal Ventoso há 17 anos, considerado o maior hipermercado de droga do país, os locais de consumo a céu aberto, à vista de todos, espalharam-se pela cidade de Lisboa : "há cada mais pessoas a consumir na rua em condições degradantes, sem higiene e segurança", assegura Andreia, uma das técnicas da "Crescer", uma associação que, diariamente, dá apoio a centenas de toxicodependentes.
Portugal é considerado um país inovador nas políticas de intervenção na toxicodependência. Despenalizou, antes dos outros, o consumo de drogas mas, ao contrário de vários países, a instalação das salas de consumo assistido nunca saiu do papel. A Câmara Municipal de Lisboa admite que a medida pode avançar mas, neste momento, ainda não há qualquer decisão. O vereador com o pelouro dos Direitos Sociais, João Afonso, reconhece à SIC a preocupação da autarquia "é uma questão de saúde pública que tem de ser resolvida".
E, enquanto, a decisão tarda, as ruas de vários bairros da capital continuam um corrupio de desespero e degradação. "As salas de consumo assistido podiam evitar vários casos de overdose e a propagação de várias doenças infecto-contagiosas", afirma Américo Nave, Coordenador da Associação Crescer.
A Reportagem Especial "Vida Que Não Quero Para Mim" retrata as histórias dramáticas de quem é obrigado a consumir na rua, muitas vezes em frente a crianças. As dificuldades para sobreviver neste mundo do "salve-se quem puder". O estigma e o preconceito numa sociedade que, tantas vezes, despreza quem consome. As dificuldade da reinserção. O medo da recaída.
Lourenço, Patricia, Filipe, Otávio, Francisco, Daniel, Hernani e tantos outros, segunda-feira no Jornal da Noite.
Pedro Freitas - Jornalista
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