Investigação SIC

Afinal, o que se passa na Mouraria?

Consumo e tráfico de droga à frente de todos, assaltos em plena luz do dia, imigrantes à mercê das máfias do tráfico humano. Um problema social complexo, num bairro que pede mais atenção e menos aproveitamento político.

Bruno Castro Ferreira

Rafael Homem

Francisco Barreto

Tiago Romão

Basta caminhar 100 metros pela Rua do Benformoso para encontrar as pequenas escadas que nascem no entroncamento com a rua de cima, a do Terreirinho. Dia ou noite, tanto faz: a qualquer hora há toxicodependentes nestas escadas a fumar crack. Este derivado da cocaína custa 5 euros a dose - muito menos do que outros estupefacientes, motivo pelo qual se generalizou, sobretudo entre os portugueses e estrangeiros mais vulneráveis.
"Esta zona sempre teve problemas de sem-abrigo, de consumo de droga, de lixo, mas aquilo que temos visto é que as coisas têm piorado no útlimo ano, ano e meio", diz Rita Oliveira, que há 10 anos mora na Mouraria.
O encerramento da sala de consumo assistido do GAT IN Mouraria, na Calçada de Santo André, ajuda a explicar por que motivo cresceu o consumo de droga na rua. "Este espaço alberga com segurança 10 pessoas e nós chegamos a ter 200 pessoas a pedir para entrar", explica, à Investigação SIC, Luís Mendão, que há quase 15 anos trabalha com toxicodependentes na Mouraria.
"A pessoa quer ter pelo menos 7 ou 8 doses diárias, mas nós temos visto pessoas que consomem crack 15 a 20 vezes por dia", conta.
No ano passado o GAT, Grupo de Ativistas em Tratamentos, identificou um espaço maior, propriedade do Município, e pediu ao Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD) que abrisse um concurso público para uma sala de consumo assistido maior. "Sem respostas", lamenta.
Asmat Khan, natural do Bangladesh, há quase 20 anos em Portugal, é proprietário de um supermercado na Rua do Benformoso. Diz que nunca teve problemas, mas "nos últimos 5 anos" tem ficado "muito triste com todo este racismo". Não entende como se olha para os imigrantes como o problema, em vez de se resolver o problema da droga.

Tráfico de droga à vista de todos

O tráfico de droga também acontece à vista de todos. A Investigação SIC captou a forma como os traficantes controlam o Largo do Terreirinho e a Rua da Amendoeira - uma ruela estreita, há anos transformada em centro do tráfico.
O consumo de droga é a ponta do iceberg de um problema social complexo. A procura constante de dinheiro para pagar a próxima dose pode explicar a criminalidade que se regista na zona. É fácil encontrar vizinhos com histórias para contar. Kseniia Tomonova, russa a viver em Portugal, conta que lhe assaltaram a casa, através da janela, enquanto ela e a colega de casa estavam na sala a conversar. "Ninguém ficou muito surpreendido. Até disseram 'o vosso apartamento foi assaltado? Acontece muitas vezes'. A Polícia veio cá e disse que tínhamos tido sorte porque, há uns anos, tinham encontrado um morto nas escadas". A vizinha, Rita Oliveira, conta que um indivíduo entrou no prédio por uma janela, acedeu ao quarto onde dormia uma criança de 12 anos, e fez o assalto. "A criança apercebeu-se, mas fingiu que estava a dormir. Só avisou os pais quando percebeu que o invasor tinha saído", conta.
O problema ganhou proporção tal, que já há vizinhos a evitarem a rua. "Falei com a dona da casa de cima para pôr uma escada para, pelo menos a minha filha, poder sair pela outra rua", contou à SIC Ana Cysneiros, residente nas escadinhas da Olarias, coladas à Rua do Benformoso.

"O Alojamento Local convive com a favela"

Nos últimos anos, a vizinhança mudou muito. Freguesias como Santa Maria Maior foram perdendo população (mais de 20% numa década), mas ganhando Alojamentos Locais. As 3 freguesias que apanham o eixo Martim Moniz - Mouraria - Intendente (S. Vicente, Santa Maria Maior e Arroios) têm cerca de 40 mil habitantes, mas mais de 50 mil camas em Alojamento Local. "Nós estamos em ruas onde não vive ninguém", lamenta Ana Cysneiros. "Neste momento, o Alojamento Local convive com a favela", acrescenta.
Tudo isto ajuda a explicar o que se passa na Mouraria. Um bairro onde convivem pessoas de cerca de 100 nacionalidades. Diversidade que os moradores entendem que é uma riqueza.
"Se o sentimento de xenofobia se instala e tudo o que não é branco e falante de língua materna portuguesa for visto como o inimigo, nós atiramos essas pessoas para circunstâncias ainda mais vulneráveis", explica Luís Mendão.
Descontente com a forma como a extrema-direita se tem aproveitado das fragilidades do bairro, Rita Oliveira deixa um pedido: "É preciso que não se confundam as coisas, que não haja aproveitamento político, nem estigmatização."
Patrícia Craveiro Lopes, da Casa Independente concorda e acrescenta: "Tem de haver polícia de proximidade. Não é cortar, ceifar. A comunidade imigrante sempre existiu nesta zona. O nome Mouraria vem de mouros. Toda esta costa, historicamente, é imigrante."
O espaço que Patrícia gere no Intendente é um dos últimos bastiões do Largo que se mantém aberto. Por pouco tempo: só até ao final de 2025. Aconteceu-lhes o mesmo que a quase toda a vizinhança, que foi obrigada a encerrar os espaços. O proprietário do edifício não renovou o contrato. "Vai vendê-lo para fazer apartamentos de luxo", lamenta Patrícia.
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