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Investimentos falsos em criptomoedas: quando o famoso é o isco

Processado pelo Banco de Portugal, Pedro Andersson tinha revelado num programa de televisão o segredo do seu sucesso pessoal. As declarações eram de tal forma polémicas que a emissão teve de ser interrompida. O jornalista é um entre muitos, uma das vítimas, neste caso, pelo uso abusivo e ilícito da sua imagem, para falsos anúncios em supostos investimentos em criptomoedas.

Luís Manso

O que não foi para o ar entra então num artigo, do jornal Eco. Segue-se a transcrição de uma conversa entre João Baião e o jornalista da SIC e autor do Contas Poupança, “a entrevista eliminada com Pedro Andersson, que todos os bancos receiam”. "Vou dizer-lhe isto: para ser rico, não tem de trabalhar, de todo. Portanto, quando começa a entender este conceito, começa a associar-se com dinheiro mais facilmente”, refere. Tudo o que acabou de ler é falso. Pedro Andersson não foi processado, nunca fez quaisquer declarações polémicas, nunca nada disto foi publicado no Eco. Faz tudo parte de um esquema para roubar vítimas em milhões de euros.

Pedro Andersson é um entre muitos, uma das vítimas, neste caso, pelo uso abusivo e ilícito da sua imagem, para falsos anúncios em supostos investimentos em criptomoedas. Há cerca de um ano as fotografias e supostas declarações do jornalista já tinham começado a circular. No início deste ano a fraude ganhou uma nova dimensão.

Já foi detido (existem montagens desse suposto momento), já morreu (há artigos que dizem que o país dele se despede, com dor e mágoa). “Surpreendeu-me a continuidade e a variedade da burla. Fiquei chocado quando vi a minha imagem, a minha cara, a ser detido. Isso já não tem piada nenhuma. Depois, quando eu morri, da primeira vez que me apercebi desta burla, já não ligada à área do investimento das finanças pessoais, pensei: isto está fora de controlo", refere.

Em Portugal têm sido usadas várias figuras públicas nestes esquemas, entre apresentadores, jornalistas ou artistas. Tudo sempre com o mesmo isco, declarações que teriam feito, interrompidas pelas autoridades, posteriormente detidos. E tudo isto sempre como forma de se entrar em sites que apelam ao investimento apetitoso em criptomoedas. E é tudo isto um esquema assente numa fraude.

No caso de Pedro Anderson, e porque na antena da SIC tem o Contas Poupança, tendo construído uma imagem de credibilidade e seriedade no que diz respeito às finanças pessoais, a imagem é usada como forma de se credibilizar todo o esquema. "Fico mesmo abalado quando recebo uma mensagem do tipo, são poucas, é verdade, mas já recebi pessoas a dizer, ‘Pedro, já enviei os 250 euros, agora o que é que eu faço a seguir?’, conta.

O que há a fazer, depois de já ter caído na armadilha, é fechar todos os contactos e denunciar o caso às autoridades, entre Ministério Público, Polícia Judiciária, PSP ou GNR.

Inteligência Artificial pode aumentar risco

A Associação de Defesa do Consumidor tem recebido cada vez mais relatos de pessoas que foram enganadas. Não há muito a fazer, nestes casos, exceto encaminhar o cliente que passou a vítima para o apoio certo e necessário. “Eu diria que há pessoas que querem ser enganadas, entre aspas, porque têm problemas financeiros, têm muitas vezes problemas económicos e veem ali uma rápida para dinheiro fácil. O que não é bom conselheiro para fazer um investimento. Temos também pessoas que estão de alguma forma honesta a tentar fazer um investimento e estão a ser enganados, puramente enganados”, refere Luís Pisco, jurista da DECO.

Luís Pisco acredita que estes esquemas têm tendência para aumentar, com novas ferramentas que dão aos criminosos uma vantagem na arte de enganar a vítima.

“Fenómenos como o Deepfake, fenómenos de situações em que há usurpação de identidade, um roubo de identidade por parte dos criminosos, nos sentido de levar o consumidor comum a acreditar que aquele esquema é legítimo, que aquela pessoa é a pessoa real, que está a falar com ele e está a aconselhá-lo de uma forma legítima, lícita e honesta no sentido de investir, tem vindo a aumentar também”, refere.

Ou seja, na era da Inteligência Artificial, a cibercriminalidade pode crescer ainda mais, com esquemas cada vez mais engenhosos. Por isso, como responsável jurídico da Deco, Luís Pisco deixa uma sugestão: “Neste tipo de situações em que eu quero investir num produto financeiro eu devo dirigir-me, não a alguém que se faz publicitar no Facebook, mas a uma instituição financeira legítima e registada e bem como devo procurar esse tipo de informação em websites oficiais e públicos dessas mesas empresas . Não, nunca numa página do marketplace ou de um perfil de uma rede social”.

Cuidados a ter no mundo digital

Existem, na verdade, formas de se verificar se um determinado site é ou não uma fraude. O cliente deve, primeiro, verificar junto das autoridades e de sites fiáveis de verificação de factos se determinada empresa está associada a um esquema ou a uma fraude.

É, igualmente, importante ver os contactos que existe (ou não existem de todo, como quase sempre acontece), a morada física e de email, saber onde são os escritórios, a estrutura da administração da empresa (que quase nunca existe), entrar e pesquisa dentro do próximo site (quase todas as ligações vão para uma página para se inserir os dados pessoais), os erros de português ou a própria morada do site que é usada. Tudo isto pode e deve ser feito, porque pode e irá reduzir em muito o risco de se cair na burla.

“Todos nós sabemos utilizar o espaço físico, mas efetivamente, ainda não temos a literacia suficiente e necessária para usar o ciberespaço. É enriquecer-nos através de formação contínua. Nós, Centro Nacional de Cibersegurança, temos alguns cursos nesta área. O Cidadão Ciberseguro, O cidadão Ciberinformado, temos o consumidor Ciberseguro . São cursos que são gratuitos. Estão disponíveis na plataforma nau que apoiam todos nós enquanto cidadãos a não cair neste tipo de burla . No entanto, mesmo os mais informados podem cair, portanto , ninguém está a salvo”, diz à SIC Isabel Baptista, coordenadora da Unidade de Desenvolvimento do Centro Nacional de Cibersegurança.

Isabel Baptista refere ainda um ponto, que acaba por ser determinante, em todo este contexto: “Mesmo os mais informados podem cair, portanto , ninguém está a salvo”. "Já recebi mensagens, telefonemas, de pessoas que me dizem: Pedro, eu meti lá 25 mil euros. E agora como é que eu faço? 35 mil euros. Isto é muito grave. São pessoas que colocaram lá as poupanças que tinham para o resto da sua vida. E que, provavelmente, nunca mais vão voltar a ver esse dinheiro”, refere Pedro Andersson

Burlas mundo fora

Não é apenas um caso português. Estas burlas têm vindo a crescer um pouco por todo o mundo. Nos Estados Unidos, o FBI tem andado a seguir o impacto e as perdas associadas ao cibercrime, com forte crescimento das burlas com falsos anúncios de criptomoedas. Só no ano passado terão sido roubados mais de três mil milhões de euros em diferentes esquemas criminosos dentro do mundo virtual, com forte impacto na vida real de cada um.

Na Dinamarca, os jornalistas do Tjekdet, um projeto jornalístico de verificação de factos, tem andado a seguir este caso, das burlas com criptomoedas. “"Não temos um número preciso de quantas pessoas na Dinamarca perderam dinheiro nestes esquemas, mas

"Temos alguns números, de 2019 a 2023, foi qualquer coisa como 200 ou 300 milhões de coroas dinamarquesas (27 a 40 milhões de euros) que foram registados como perdas nestes esquemas de investimentos", refere à SIC Daniel Greneaa.

O jornalista acredita ainda que, com a Inteligência Artificial, estes números vão continuar a aumentar. Só ano passado foram 740, as denúncias feitas às autoridades dinamarquesas. Fizeram ainda as contas a nove mil anúncios falsos e chegou à conclusão que o Facebook lucrou com estes anúncios mais de 500 mil euros.

E este tem sido um problema. Os criminosos encontraram mecanismos para contornar os radares desta rede social. A Meta, dona do Facebook, tem garantido que tudo tem feito para eliminar estes anúncios e que não quer ganhar dinheiro com publicidade enganosa. Ainda assim, mesmo depois das denúncias, há anúncios que se mantêm ativos.

"As poucas vezes que eu denunciei não tive nenhuma resposta. Já foi enviada queixa, os advogados da SIC já procederam a isso, mas até agora sem nenhum resultado”, refere Pedro Anderson. É mais uma das diferentes queixas, entre processos um pouco por todo o Mundo, que têm sido movidos contra o Facebook.

Para já, e esta tem sido uma das sugestões das diferentes autoridades, uma das armas contra este crime é duvidar, sempre. “Se fosse possível multiplicar por dez dinheiro de um dia para o outro, então os próprios financeiros não estariam a fazê-lo. Quando a esmola é grande o pobre desconfia”, diz à SIC Pedro Verdelho, responsável pela área de cibercrime da Procuradoria-Geral da República.

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