Investigação SIC

Centenas de queixas e milhões roubados: o perigo dos investimentos falsos em criptomoedas

Estão em países do Leste da Europa, na Ásia ou na América do Sul. São parte de uma enorme teia de crime organizado. Não há um rosto, apenas uma voz que do outro lado da linha segue um guião e mantém um enredo para ir retirando e secando ao máximo a fonte financeira das vítimas. A Procuradoria-Geral da República fala em milhões de euros que têm sido roubados, só em Portugal. Dados da Polícia Judiciária, a que a SIC teve acesso, mostram que este tipo de cibercrime, o do uso de falsos anúncios para alegados investimentos em criptomoedas, tem vindo a disparar nos últimos anos.

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Luís Manso

Em 2020 e em 2021 tinham sido abertos, em cada um dos anos, apenas três inquéritos, por parte da Polícia Judiciária. No ano seguinte passaram para 14 e em 2023 deram um salto de gigante para 325. E para se ter uma ideia clara de como esta bolha está a ficar cada vez maior, só este ano, nos primeiros três meses, foram reportadas à PJ 210 situações de burlas com os falsos investimentos em criptomoedas.

"Quem está por detrás são organizações criminosas muito profissionais, organizações internacionais, crime organizado, portanto, com recursos muito grandes, com estruturas empresariais, com técnicos, com designers, com call centers espalhados por vários sítios do mundo, e portanto, são estruturas profissionais", diz à SIC Pedro Verdelho, diretor do Gabinete de Cibercrime da Procuradoria-Geral da República.

Estão espalhados por todo o mundo, essencialmente na Ásia ou em países da Europa de Leste. Mantêm ao longo do tempo uma relação de proximidade com o cliente, fazendo-o acreditar que o investimento está a crescer e irá traduzir-se num avultado lucro. Logo a seguir ao registo, tudo é feito para mascarar a fraude e a mentira.

"A seguir é-lhe fornecido um link de uma plataforma onde o seu dinheiro está a evoluir, está a valorizar, e esse link é absolutamente falso. É um cenário de vídeo, como se fosse um vídeo jogo, é absolutamente falso, como se estivéssemos a jogar um jogo de vídeo e de repente estivéssemos a ganhar imenso. E a pessoa é enganada por essa plataforma", relata Pedro Verdelho.

As denúncias não param de dar entrada no Ministério Público. Do universo de queixas relacionadas com cibercrimes, passaram de dezenas para centenas, e em 2022 ultrapassaram as duas mil e 100. Só no caso das burlas com criptomoedas, nesse ano, tinham sido 94, mais do dobro do ano anterior. No primeiro semestre do ano passado, ou seja, nos primeiros seis meses de 2023, foram feitas 33 queixas relacionadas com este tipo de crime.

O responsável que, na PGR, acompanha este tipo de cibercrimes, adianta que as suspeitas começam a surgir quando o cliente, que é na verdade uma vítima, tenta levantar o dinheiro e são exigidas taxas e impostos. Ou seja, só através desta artimanha vão conseguindo retirar ainda mais dinheiro. Pedro Verdelho fala em milhões de euros, sem se conseguir aferir, ao certo, um valor exato, do que tem sido roubado.

"Há situações de pessoas que ficam, absolutamente, sem dinheiro, sem o seu dinheiro para o mês, sem o dinheiro do seu salário. Há situações de pessoas que pedem aos familiares dinheiro emprestado. Há situações de pessoas que vão ao banco contrair um empréstimo para investir nestas plataformas", adianta Pedro Verdelho. E acrescenta: “Muitas das pessoas percebem que é uma situação em que foram enganadas, mas não há rasto, não há pistas que permitam fazer o percurso para trás e identificar o culpado".

Queixas no Banco de Portugal

Os sites que permitem entrar nestas burlas apresentam-se como sendo legítimos. São mesmo criadas falsas páginas de verificação da credibilidade destas supostas empresas, para afirmar que são fiáveis. Faz tudo parte do esquema e tudo não passa de um enorme engodo.

Um dos pontos de partida, e talvez o mais importante, é verificar em sites oficiais se estas empresas são registadas e têm autorização para trabalhar em Portugal. Para tal, é preciso consultar os registos no Banco de Portugal e na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

À SIC, a CMVM adianta que “neste momento apenas os criptoativos que se qualificam juridicamente como instrumentos financeiros são supervisionados pela CMVM”. “Os criptoativos que não se qualifiquem enquanto tal não se encontram ainda sujeitos a regulação/supervisão, não tendo ainda entrado em vigor o Regulamento europeu MiCA ("market in crypto-assets regulation"). O MiCA só entrará em vigor, na sua plenitude, a partir de 30 de dezembro de 2024. Não tendo a CMVM competência de supervisão sobre estes criptoativos, não dispõe de dados relativos a reclamações e pedidos de informação subordinados ao tema”, acrescenta uma resposta por escrito.

Quanto ao Banco de Portugal, desde o início de 2022 foram abertos 94 processos de averiguação. Também por escrito, depois do pedido feito pela SIC, esta entidade presidida por Mário Centeno, adianta que "os elementos apurados na maioria das situações analisadas indiciam a ligação das entidades averiguadas a esquemas fraudulentos, em que os infratores, aproveitando a situação vulnerável ou de ignorância face a este tipo de ativo, pretendem ab initio defraudar os seus clientes, com promessas de alta rentabilidade, apropriando-se dos fundos transferidos sem a realização de qualquer atividade comercial efetiva."

No fim, acrescenta um detalhe, que tem feito toda a diferença neste esquemas: “Algumas das situações analisadas que, de acordo com os inícios recolhidos, são suscetíveis de consubstanciar esquemas fraudulentos assentavam na utilização indevida do nome e imagem de figuras públicas da sociedade portuguesa – como políticos, cantores e atores, entre outros – e de entidades de natureza pública – como o próprio Banco de Portugal -, tendo em vista dar “credibilidade” aos infratores e criar confiança junto das vítimas.”

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