Geração 70

João Costa: o ex-ministro que cresceu “irritado” com os privilégios que tinha

Teve colegas que não comiam, viviam em barracas e alguns chegaram a prostituir-se aos 14 anos. A ele, garante, nunca lhe faltou nada. João Costa cresceu numa família privilegiada mas as desigualdades sempre o incomodaram. Desde cedo que quis ser professor e chegou a ser responsável pela pasta da Educação no Governo do PS. Tempos “duros, foi uma pasta pesada”, recorda.

Bernardo Ferrão

Mariana Óca Ferreira

Cresceu em Setúbal, mas foi em Lisboa que nasceu porque o pai era “alfacinha de gema”. Vivia com os pais, os três irmãos e a avó.

Sempre quis ser professor. Em pequeno, a mãe, professora, levava-o para a escola nas férias de verão e ele ajudava-a a fazer as turmas e a ordenar os nomes por ordem alfabética. “Não gostava de jogar à bola na rua, gostava mais de dicionários”, recorda.

É escuteiro desde os nove anos e o escutismo ainda faz parte da sua vida. Fez teatro e para o Geração 70 trouxe algumas fotografias para recordar esses tempos.

A “miséria” à porta de casa

Nasceu antes do 25 de Abril, em novembro de 1972, mas cresceu numa altura em que a política estava em “todo o lado”. Depois da Revolução, o país ficou “demasiado frágil” e viu a “miséria” à porta de casa.

“Tinha amigos que não tinham casa, viviam em barracas. Tinha duas colegas de turma que aos 14 anos prostituíam-se”.

Os pais tinham carro, gozavam férias no verão e nunca lhes faltou comida à mesa. “Nunca nos faltou nada”, diz João Costa. Cresceu “irritado” com os privilégios que tinha e as desigualdades sempre o incomodaram.

“Ficava muito revoltado porque não percebia o porquê de eu ter e os outros não”.

Um ministro sem passado político

É professor catedrático de Linguística, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Passou da academia para a política sem um “passado político”. Trabalhou no Ministério da Educação oito anos e foi o ministro da Educação do último Governo de António Costa.

Nunca achou que ia ser político. Muito menos ministro. Quando chegou ao cargo, não tinha “ilusões” e sabia que o ministro da Educação não tinha a melhor “fama”. Durante a conversa recorda esses tempos, não muito distantes. Fala das reuniões com os sindicatos dos professores - sempre “cordiais e simpáticas" apesar do que passava cá para fora -, e das dificuldades que teve como ministro.

“O dinheiro nunca chega para tudo e para satisfazer todas as exigências. Tentei mexer nos problemas estruturais do ensino e não consegui porque os sindicatos rejeitaram”, conta.

“Foram tempos duros, foi uma pasta pesada”

Deixou o cargo no final do ano de 2023, depois das buscas à residência oficial do então primeiro-ministro por suspeitas de corrupção. “Hoje tenho mais tempo para sair, pensar, escrever e dizer o que me apetece. Foram tempos duros, foi uma pasta pesada”, conta.

Investigador sobre o papel da escola pública, reflete sobre o que mudou ao longo dos últimos anos. “É mais difícil ser professor”, o tipo de aluno mudou, a “escola deixou de ser das elites” e as atitudes dos pais são outras. “Ser pai não me dá o direito de negar ao meu filho o acesso à informação.

Sobre um assunto que muita polémica causou durante o seu mandato, mantém a mesma posição: "A disciplina de Cidadania pode ser comparada a Português e Matemática, é informação”, sublinha.

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.

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