Geração 70

José Luís Peixoto: "Sou um homem que fez um caminho fora de todas as caixas"

José Luís Peixoto, um dos autores de maior destaque da literatura portuguesa, é o mais recente convidado do “Geração 70”. Numa conversa com Bernardo Ferrão, fala sobre o Interior abandonado, sobre a sua fase anarquista, o lado mais solitário e “individualista”, e sobre o gosto pela “música pesada”, que o tornam um escritor diferente.

NUNO BOTELHO

Bernardo Ferrão

Mariana Óca Ferreira

Nasceu em Galveias, em Ponte de Sor, no Alentejo, em 1974, filho tardio e mimado pelas irmãs mais velhas como “se fosse um bebé”. O pai foi emigrante em França e quando regressou a Portugal, em 1972, cumpriu o sonho e abriu a própria carpintaria. E foi na oficina do pai que passou grande parte da infância. “Qualquer resto de madeira podia ser uma casinha, um carrinho, uma espada. Tudo ali era brincadeira e um mundo de possibilidades.”

A avó tinha um rebanho e a família vivia do fabrico de queijo. O pai queria mais, “não queria seguir o mesmo caminho”, e aventurou-se como “aprendiz de carpinteiro”. Foi com o pai que aprendeu a importância do espírito independente e é o pai, que morreu aos 57 anos, que homenageia na sua primeira obra, Morreste-me.

Viveu nas Galveias até 1991, altura em que foi estudar para Lisboa. As Galveias “eram o mundo”, uma aldeia que “pensava no futuro”. Hoje já não é assim. A terra onde cresceu já não é a mesma e “há um desânimo”. “As pessoas não se imaginam a continuar a vida ali.”

A mãe trabalhou como empregada doméstica em França. Quando regressaram para o Alentejo não viviam mal, mas não viviam “à vontade”. Os pais sempre quiseram que os filhos estudassem e, com “esforço”, conseguiram que os três tivessem uma licenciatura.

O gosto pelas letras foi “natural” e corria na família. A irmã, treze anos mais velha, tornou-se professora. Sempre leu “por prazer” e foram as Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian que o aproximaram dos livros.

Num ambiente de “paixões políticas exacerbadas”, onde os comunistas se julgavam muitas vezes os “donos da terra e de tudo”, o pai esteve sempre mais inclinado para o socialismo moderado de Mário Soares. Aliás, e apesar de não se recordar do momento, a família contava como, em criança, chegou a estar ao colo de Mário Soares.

Sempre mergulhou nas “culturas mais rebeldes” da sua geração. Gostava de música pesada e de tudo o que era diferente do mundo que o rodeava. Aos 17 anos, “sonhava com um socialismo ideal”, assumia-se como anarquista e a roupa que vestia era uma manifestação disso mesmo. Nos anos 90, década que considera “enganadoramente dourada”, manifestou-se contra as touradas e contra o McDonald’s.

No final dos anos 90, cruzou-se com o Nobel português da Literatura, José Saramago. Ainda hoje recorda os momentos que viveu com ele. “Éramos de gerações diferentes. O que nos aproximava era a escrita e o Alentejo. As tatuagens, os piercings e a música pesada era algo do outro mundo para ele.”

“Hoje, com 49 anos, sinto que o lugar onde estou, politicamente, é só meu”, confessa. Não se assume como militante de qualquer partido, mas reconhece que dificilmente votaria à direita. “Ainda que isso não signifique que não concorde com algumas ideias de direita”, salvaguarda.

A política nunca desapareceu da sua obra. Tem dificuldade em resistir a “propostas fora da caixa” e um fascínio por regimes autocrata. Visitou cinco vezes a Coreia do Norte e escreveu um livro sobre o interior de uma das ditaduras mais repressivas do mundo. “Quando estás lá há uma claustrofobia gigante.”

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.

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