Os médicos conseguem contornar o sistema que gere as cirurgias adicionais para ganharem mais dinheiro. Os valores podem ascender aos 20 mil euros mensais, embora este montante tenha sido superado, no caso polémico do dermatologista do Hospital Santa Maria. Os gestores hospitalares querem um manual de boas práticas e novas regras. A Ordem dos Médicos admite que possa existir aproveitamento de um sistema informático que é antigo.
O processo tem regras. Começa na inscrição do utente para cirurgia no sistema informático, que é feita por um médico codificador ou sem formação na área. Depois, dependendo do diagnóstico, há vários níveis de severidade dos casos.
“Tem níveis de severidade dentre 1 e 4. E cada um desses níveis responde a um valor monetário de pagamento”, explica Fernando Lopes, presidente do colégio de competência de Codificação Clínica da Ordem dos Médicos.
E é aqui que entra o problema: o sistema usado no trabalho adicional é mais atual, mas os médicos sabem de algumas falhas no agrupamento de dados que favorecem ganhos superiores, principalmente com pequenas cirurgias.
“O programa informático está completamente desatualizado", aponta Fernando Lopes. “Por parte dos interessados, é aproveitado, como é lógico.”
“Claro que quem está a tomar esta posição está a ignorar as regras”, frisa.
Produção adicional nos hospitais disparou 80%
O caso do dermatologista do Hospital de Santa Maria que terá faturado 400 mil euros em apenas dez sábados em atividade adicional pode ser apenas a ponta do icebergue.
“Não podemos descartar a possibilidade de existirem outros casos. Mesmo nos casos em que o hospital tenha regras bem definidas e processos organizados, não está livre de um profissional adulterar os registos, não cumprir as regras e, por conta disso, gerar uma faturação e pagamentos que não deveria ter”, alerta Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.
As listas de espera cada vez maiores levaram a que, no SNS, as cirurgias fora do horário de trabalho sejam uma prática comum - até porque o método tem incentivos financeiros.
Há médicos a acumularem mensalmente rendimentos várias vezes superiores ao respetivo salário-base. Segundo dados da direção-executiva do SNS, divulgados pelo Observador, a produção adicional disparou 80%, nos últimos três anos.
“Temos mais consultas, temos mais cirurgias. Também não temos mais profissionais, para fazer face a esse aumento de procura. Portanto, é natural que tenhamos de fazer mais produção adicional”, comenta Xavier Barreto.
“É importante que o Ministério da Saúde analise se a produção normal decresceu, mantendo o mesmo número de profissionais”, sugere.
Os gestores hospitalares querem mais regras e um manual de boas práticas. A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde vai realizar auditorias a todas as unidades locais para chegar à verdadeira dimensão do problema.