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Caso do dermatologista do Santa Maria: "Se o sistema não for alterado, daqui por algum tempo saltará outro escândalo do género"

"Provavelmente serão encontrados desvios daquilo que era a prática desejavelmente e legalmente aceitável, eventualmente haverá pessoas punidas, mas isto é só uma questão de matar o mensageiro", realça o cirurgião José Fragata, quando questionado sobre o que esperar do inquérito ao caso do dermatologista do Hospital Santa Maria em que um médico terá recebido 400 mil euros em 10 dias de trabalho.

SIC Notícias

A realização de cirurgias fora do horário normal de trabalho dos profissionais do SNS está a gerar polémica. Segundo o jornal Observador, os próprios gestores hospitalares falam em situações de abuso, com médicos a acumularem mensalmente rendimentos várias vezes superiores ao respetivo salário-base, à custa destas cirurgias extra. Os valores podem ascender aos 20 a 30 mil euros por mês. A Ordem dos médicos admite que os registos podem estar a ser adulterados com frequência para os clínicos maximizarem os ganhos, como terá acontecido no caso do dermatologista do Hospital de Santa Maria, em que um médico terá recebido 400 mil euros em 10 dias de trabalho. O Ministério Público abriu um inquérito, a ministra Ana Paula Martins já admitiu que o caso cria suspeitas em relação ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).

"Se o sistema não for alterado, daqui por dois, três, quatro meses, algum tempo, saltará outro escândalo do género, porque obviamente nestas brechas do sistema poderá haver pessoas que se podem aproveitar, como aliás em todas as classes. (...) Obviamente as coisas têm seguramente que ser acautelados para evitar desmantes destes, que obviamente ninguém pode entender e sobretudo aceitar", afirma o médico José Fragata, em entrevista na SIC Notícias.

O cirurgião diz que esta não será uma prática generalizada, em seu entender esta situação que deve ser enquadrada na "na pressão enorme que foi feita para recuperar listas de espera".

"Este governo encontrou a saúde num estado que é conhecido e, obviamente, foram criados programas de recuperação rápida, nomeadamente na área oncológica e mesmo para outras áreas não oncológicas", acrescenta.

"É óbvio que isso não justifica abusos que possam ter existido. Absolutamente, uma remuneração de 50.000 euros num dia só, num fim de semana, parece-me absolutamente despropositada", sublinha José Fragata.

O médico considera que esta situação indicia duas coisas: "Por um lado, quem pudesse ter-se aproveitado. Por outro lado, mostra um sintoma mais grave, que é uma falta enorme de controle".

Segundo o cirurgião, existem sistemas de controlo, mas que precisarão de ser regulados.

"O programa de SIGIC tem regras próprias, estão publicadas na lei, foi criada em 2004, se essas regras forem seguidas, é um programa que, enfim, poderemos discutir os seus méritos e desméritos, mas não haverá tempo aqui, mas precisa de ser regulado e controlado (...) Isto demonstra uma falta de controle que levou, obviamente, à possibilidade de excessos e a quem eventualmente se tenha aproveitado disso".

"Não é obviamente sustentável. O dispêndio público com a saúde em Portugal tem crescido, nos últimos dez anos duplicou, estamos com 18 biliões, e verdadeiramente isso não é sustentável, até porque não se traduz numa melhoria necessária de cuidados de saúde", alerta o médico José Fragata.

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