António Costa apresentou a sua demissão ao Presidente da República, que a aceitou, após suspeitas de corrupção no seu Governo e uma provável instauração de processo-crime contra si. Mas, e agora? Existem obrigações constitucionais para Marcelo Rebelo de Sousa e, também, coerência institucional quando disse que não haveria maioria absoluta sem António Costa.
O país acordou com a notícia de várias buscas feitas a sedes de ministérios do Governo socialista, e até à própria residência oficial do primeiro-ministro. Com isto, e após duas reuniões com o Presidente da República em Belém, António Costa anunciou a sua demissão e a aceitação de Marcelo.
Porém, antes da Assembleia da República (AR) ser dissolvida - se for - o Presidente da República tem obrigações constitucionais de reunir a opinião dos diversos conselheiros de Estado antes de tomar uma decisão sobre o futuro político e governativo do país.
Dessa forma, Marcelo publicou uma nota no seu site oficial a esclarecer que se irá reunir com os partidos políticos esta quarta-feira e convocou Conselho de Estado para quinta-feira, dia 9 de novembro.
Só depois disso, é que o Presidente da República poderá anunciar a dissolução do Parlamento e, consequentemente, anunciar novas eleições.
No entanto, tudo isto terá de ser calculado e existem diversos cenários possíveis, porém há um que é altamente provável e o mais previsível.
A dissolução
O cenário mais provável em cima da mesa será a dissolução da Assembleia da República, por parte de Marcelo Rebelo de Sousa, após a demissão do primeiro-ministro.
Como relembra José Manuel Mestre, jornalista da SIC, Marcelo já afirmou, há uns tempos, que não existe maioria absoluta sem António Costa, o que leva a querer, se quiser manter a coerência, que a decisão do Presidente da República será, de facto, a dissolução da AR.
Mas, dentro deste cenário, existem ainda outras “cláusulas”.
Em primeiro lugar, a questão política. Com o Orçamento do Estado por aprovar - numa altura particularmente sensível financeiramente para as famílias - seria benéfico para o país, sendo a estabilidade uma condição fulcral para Marcelo, que as eleições legislativas fossem apenas marcadas para o próximo ano.
Como é que isso aconteceria?
Segundo a Constituição da República Portuguesa, assim que a demissão do primeiro-ministro é aceite, todo o Governo “cai” e consequentes propostas por aprovar.
“As propostas de lei e de referendo caducam com a demissão do Governo”, como se lê no artigo 167, nº 6 e, assim, o Governo fica com funções de gestão, meramente.
Daí, Marcelo, ao reunir-se com os partidos, poderá até pedir ao PS que forme novo Governo, com um primeiro-ministro interino até às eleições, para apresentarem o mesmo diploma e aprovarem o Orçamento do Estado previsto para 2024.
Aí, alguém como Mariana Vieira da Silva, ou até mesmo Fernando Medina, poderia assumir funções interinas até às eleições.
Em segundo lugar, a questão "de calendário".
Tendo em conta que Costa já admitiu que não se irá recandidatar a líder do Partido Socialista, terá de haver eleições internas no partido, antes das eleições legislativas, sendo mais um motivo para as atrasar até 2024.
Por outro lado, o Natal e o Ano Novo, onde não podem haver eleições legislativas.
Existe outra opção?
Sim. Relembre-se que, em 2004, Durão Barroso, primeiro-ministro na altura, abandonou o Governo e o PSD propôs Santana Lopes para dar continuidade à maioria absoluta dos sociais-democratas com o CDS. E aconteceu, com o aval inicial de Jorge Sampaio, Presidente da República nesse ano.
Portanto, Marcelo Rebelo de Sousa poderá questionar o PS, após se reunir com os partidos políticos, se têm condições para apresentar um substituto de António Costa. Porém, esta possibilidade é improvável, tendo em vista a instabilidade intrapartidária.
Porém, conforme relembra a Lusa, a 30 de março de 2022, quando deu posse ao XXIII Governo Constitucional, Marcelo Rebelo de Sousa avisou António Costa que "não será politicamente fácil" a sua substituição na chefia do Governo a meio da legislatura, dando a entender que nesse caso convocaria legislativas antecipadas.
A 24 de janeiro deste ano, quando passaram sete anos desde a sua eleição como Presidente da República, foi mais definitivo e afirmou que, "se mudar o primeiro-ministro, há dissolução do Parlamento", referindo-se à "hipótese teórica de aparecer um outro primeiro-ministro da área do PS".
"Porque esta maioria formou-se com um primeiro-ministro que concorreu não só como líder do partido, mas a líder do Governo. Foi muito importante, eu disse isso no discurso de posse e, portanto, estava fora de causa, quer dizer, com outro primeiro-ministro haveria dissolução do parlamento", argumentou na altura.
O lítio, as suspeitas, o fim de Costa
António Costa não resistiu às suspeitas de corrupção, que garantiu “nunca ter ouvido falar”, mas sustentou que isso não é compatível com as funções de primeiro-ministro.
O Presidente Marcelo aceitou e já convocou partido e os conselheiros de Estado. Em causa está um processo que investiga os negócios do hidrogénio e do lítio.
Pelo menos cinco pessoas foram detidas, entre os quais o empresário e amigo próximo do primeiro-ministro, Diogo Lacerda Machado, e o chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, e o ministro João Galamba foi constituído arguido