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Estudar e viver em Lisboa? Só se for numa tenda

Nos 49 anos do 25 de Abril, cerca de meia centena de estudantes montou tendas na Alameda da Cidade Universitária, onde vão pernoitar em luta por habitação digna. O mote do protesto? “Não consegui pagar a renda, então mudei-me para a Alameda da Cidade Universitária!”.

Pedro Rebelo Pereira/SIC

Carolina Botelho Pinto

Pedro Rebelo Pereira

O repto foi lançado nas redes sociais e aceite por cerca de meia centena de estudantes. De tendas montadas em frente à reitoria da Universidade de Lisboa, contaram à SIC como não perdem a esperança num futuro com habitação digna para todos.

O protesto lançado pelo movimento Habitação de Abril convidou os estudantes a receber a madrugada dos 49 anos do 25 de Abril a protestar contra “a forma como a crise habitacional tem sido gerida”.

E às 18:00 desta segunda-feira lá apareceram, tímidas, as primeiras tendas no relvado da Alameda da Cidade Universitária, no Campo Grande. Até porque, a essa hora, estudantes e líderes parlamentares reuniam-se na Faculdade de Letras para debater estas “problemáticas que sentimos na pele todos os dias”, disse à SIC Diogo Martinho Henriques, presidente da Associação Académica de Lisboa.

“Pedimos a construção de imediato de um novo pólo residencial universitário de Lisboa. O Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior tem apenas 18 mil camas. A Câmara de Lisboa tem que intervir”, afirmou.

O objetivo é que “o futuro das gerações vindouras tenha tantas possibilidades quanto o futuro das gerações antecedentes”, disse também à SIC José Afonso Garcia, presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa.

Às mãos dos dois chegam diariamente casos de alunos que todos os dias se deslocam de locais como Santarém, Leiria e Évora para Lisboa para estudar porque não têm como pagar uma renda.

“É cada vez mais difícil um jovem concluir um ciclo de estudos sem estar a trabalhar”, lamentou Diogo.

É o caso de Catarina, que trabalha em part-time para poder suportar o valor das propinas e ajudar os pais em casa. À SIC, revelou que não tem capacidade financeira para deixar o ninho, mesmo estando a trabalhar.

O salário não chega para pagar a renda

“Muitos de nós temos que trabalhar para ajudar em casa e pagar a faculdade. Como é que conseguimos ter a nossa casa e a nossa independência? A nossa emancipação? Que é tão necessária…”, questionou Catarina.

À SIC confessou que tentou até a possibilidade de arrendar um quarto, mas com o rendimento que recebe é, preto no branco, “impossível”.

Marta também não consegue viver em Lisboa e, por isso, todos os dias gasta duas horas e meia nos transportes públicos. Vive na Azambuja porque “nem nos arredores” de Lisboa consegue ter uma casa.

Em conversa com a SIC, assumiu esperança no futuro da habitação, apesar de saber que “vai demorar” e “não vai ser nada fácil”.

“[Tenho] esperança que enquanto jovens, estudantes e trabalhadores consigamos ter uma habitação e uma vida digna”.

Aos poucos, a Alameda da Cidade Universitária foi recebendo mais alunos, que se aglomeraram em pequenos grupos, à conversa dentro e fora das tendas, e a preparar a noite que se aproximava. Ao fundo, ouvia-se a Inoportuna - a tuna académica da Faculdade de Letras - que também marcou presença.

“Chegou-nos a chover dentro de casa durante o inverno”

Luzia foi das poucas estudantes com quem a SIC falou que arrenda um quarto em Lisboa. Está deslocada e, por isso, não tem outra alternativa, mas o contrato está a terminar e vai ter que procurar outro sítio, até porque lhe “chegou a chover dentro de casa durante o inverno”.

Vai tentar arranjar outro quarto, mas tem-se assustado com os valores que encontra.

“Sentimo-nos encurralados como estudantes e como pessoas que moram e querem continuar a morar em Lisboa”.

Entre os estudantes que ouvimos, há um elo comum que os liga: não protestam apenas pelas situações pessoais, mas também pelo coletivo e pelos colegas em situações (ainda) mais precárias, com quem estão solidários.

“Estou aqui também pelos meus colegas que estão na mesma situação ou que não têm tantas condições para pagar a renda mas que não têm outra alternativa”, disse à SIC Maria, uma das alunas que vai pernoitar na Alameda da Cidade Universitária e que, todos os dias, viaja de Mafra até Lisboa para estudar.

Bruno e Sebastião ainda não tinham decidido se, à semelhança de Maria, iam passar a noite, mas por precaução levaram roupa quente e comida. Prepararam-se para a possibilidade de ter mesmo que dormir ao relento, numa tenda que esperam, no futuro, não virem a chamar de casa.

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