Opinião

Qual foi a parte que não perceberam?

Hoje, no parlamento, Manuel Pinho citou Merkel: "qualquer dia, o cidadão comum não percebe o que dizem os políticos". Não, sr. ex-ministro. Não é qualquer dia, senhora Chanceler. Há muito que os cidadãos eleitores – prefiro chamar-nos assim – não entendem o que dizem os políticos.

Pedro Cruz

Primeiro, porque a linguagem é cifrada e cheia de recursos estilísticos, feita de palavras "caras", imperceptíveis para a maioria dos cidadãos, ocas de sentido. Os políticos falam uns para os outros e para os media, e não para os tais cidadãos eleitores.

Os mesmos cidadãos que gostam de ver a encher comícios, empunhar bandeiras, gritar slogans e, claro, eleitores, quando vão por a cruzinha diante do símbolo certo;

Quem acompanha campanhas eleitorais sabe disso, há muito tempo.

Mas não é apenas por causa da linguagem;

Também é pelo desvirtuar do sentido das palavras;

"não aumentamos impostos", diz-se em campanha.

Eles sobem logo a seguir. A palavra não vale.

"a saúde é um direito de todos".

Não é. Não é mesmo. A palavra não vale.

"a justiça é igual para todos, ninguém está acima da lei".

Não é. A palavra não vale.

E podia continuar, por aqui fora, num sem número de exemplos, de governos de vários partidos.

É assim há décadas.

Se muitas palavras ditas pelos políticos não se percebem, e as frases que são ditas de forma clara… são desmentidas pela realidade, o que sobra na comunicação com o tal "cidadão comum"? (será que usam esta terminologia porque os políticos se consideram "incomuns"?)

E com a falta de palavras que toda a gente entenda, e a falha sistemática com a palavra dada (nem sempre, ou quase nunca, palavra honrada) resta muito pouco.

Fica o campo aberto para os populismos.

Para o crescimento de ideias radicais.

Para se extremarem posições sociais, criadas a partir de meias-verdades e de meias-mentiras, de factos distorcidos e de exploração de vazios.

Podia continuar no domínio da semântica;

A linguagem da justiça é imperceptível;

A linguagem médica é indecifrável;

A linguagem do fisco é encriptada.

A linguagem oficial do Estado é tão longínqua do cidadão eleitor que o Estado se transformou no carrasco dos que devia proteger.

O Estado não são os partidos, as confederações, os interesse, os lobbies, a corrupção.

O Estado somos nós.

Os cidadãos comuns.

Perceberam?

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