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Médio Oriente: perguntas e respostas sobre o reconhecimento do Estado da Palestina

Espanha, Irlanda e Noruega formalizaram esta semana o reconhecimento do Estado da Palestina, um apoio simbólico e diplomático à causa palestiniana, mas com pouco impacto no terreno. Eis algumas das questões relacionadas com o Estado da Palestina e o seu reconhecimento.

Manifestante exibe uma bandeira palestiniana durante um protesto em Berlim, na Alemanha, a 23 de maio de 2024.
JOHN MACDOUGALL

SIC Notícias

Espanha, Irlanda e Noruega formalizaram esta semana o reconhecimento do Estado da Palestina, juntando-se a 137 dos 193 países da Organização das Nações Unidas (ONU) que já o fizeram, segundo a Autoridade Nacional Palestiniana (ANP).

Trata-se de um apoio simbólico e diplomático à causa palestiniana, mas com pouco impacto no terreno, onde as fronteiras foram esbatidas pela ocupação, entre colonatos, muros de betão e presença militar israelita.

Algumas das questões relacionadas com o Estado da Palestina e o seu reconhecimento, num trabalho das agências espanholas EFE e francesa AFP, são: as fronteiras, a capital, o governo autónomo, o passaporte, a coesão territorial, os primeiros reconhecimentos, o estatuto de observador na ONU e a Suécia ter sido pioneira no reconhecimento do estado da Palestina.

Quais são as fronteiras?

Os três países europeus reconhecem o Estado palestiniano dentro das fronteiras que permaneceram após a Guerra dos Seis Dias de 1967. São fronteiras que constam dos Acordos de Oslo de 1993, que deram origem a um Estado que nunca se concretizou.

As divisões representavam já uma perda considerável de território em relação ao Plano de Partilha da ONU de 1947, que precedeu a criação do Estado de Israel. As fronteiras de 1967 incluíam a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza, mas grande parte desse território é atualmente controlado por Israel.

Na Cisjordânia ocupada, 60% está sob administração civil e militar israelita. Existem ali mais de 140 colonatos judeus legais ao abrigo da lei israelita, bem como dezenas de colonatos ilegais, albergando mais de 700.000 colonos israelitas, incluindo em Jerusalém Oriental.

As cidades e aldeias palestinianas da Cisjordânia foram isoladas pela proliferação de colonatos judeus, estradas que os palestinianos estão impedidos de utilizar e postos militares israelitas que proíbem a circulação.

No caso da Faixa de Gaza, não é claro como é que o território será demarcado quando terminar a guerra entre Israel e o Hamas, que já matou mais de 36.000 pessoas em quase oito meses.

A ausência de um plano pós-guerra deixa todas as possibilidades em aberto, enquanto a ala dura do Governo israelita insiste em reocupar o enclave, embora o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu o negue.

Qual é a capital?

O Plano de Partilha da ONU para a Palestina, de 1947, conferiu um estatuto especial a Jerusalém. Mas o armistício de 1949, na sequência da primeira guerra israelo-árabe, separou de facto a cidade em duas metades: a parte ocidental sob controlo israelita e a parte oriental nas mãos dos palestinianos, na altura a Transjordânia.

A Guerra dos Seis Dias de 1967 alterou o tabuleiro de xadrez do Médio Oriente, com consequências que se mantêm até hoje: Israel ocupou militarmente Gaza e a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, onde se situa a Cidade Velha e os locais sagrados.

Jerusalém Oriental, destinada a ser a capital de um futuro Estado palestiniano, foi anexada em 1980 por Israel, que considera a cidade a sua capital "única e indivisível".

Desde então, Israel exerce o controlo político e administrativo, apesar de nela viverem mais de 300.000 palestinianos.

O Governo da ANP foi retirado 'de facto' de Jerusalém Oriental.

Em que consistia o modelo de transição previsto no Acordo de Oslo?

O Acordo de Oslo de 1993 dividiu os territórios palestinianos ocupados em diferentes zonas, consoante o controlo civil e militar fosse exercido pelos palestinianos ou por Israel. O acordo era um modelo de transição que deveria culminar num Estado próprio após alguns anos.

Para o efeito, foi criada a Autoridade Nacional Palestiniana, a primeira forma de autogoverno dos palestinianos. A solução deveria ser provisória, mas a ANP continua a existir e com poderes cada vez mais reduzidos, com uma autoridade que só pode ser exercida em pequenas áreas da Cisjordânia, face à crescente ocupação e presença militar israelita.

Em Gaza, as disputas entre a Fatah, a fação secular formada por Yasser Arafat que controla a ANP, e o Hamas terminaram com a expulsão da Autoridade Palestiniana e a tomada do poder pelos islamitas em 2007.

O desfecho aprofundou a fragmentação não só da sociedade palestiniana, mas também do seu território.

Os palestinianos têm passaporte?

O povo palestiniano é apátrida, pois não tem um Estado próprio, e os palestinianos não têm passaporte a não ser que tenham outra nacionalidade.

Para viajar, um palestiniano da Cisjordânia precisa de uma espécie de "salvo-conduto" da ANP, de autorização de Israel, de atravessar a Jordânia através da passagem de Allenby, sujeita a controlos israelitas e jordanos apertados, e de voar para o aeroporto de Amã.

Antes da guerra atual, os habitantes de Gaza, bloqueada por Israel desde 2007, só raramente e com limites de tempo atravessavam o território israelita. Apenas podiam fazê-lo com autorizações de trabalho, para receber tratamento médico ou, raramente, para visitar familiares fora do enclave. Só podiam viajar para o estrangeiro através do Egito, o que, na prática, implicava subornos avultados, tanto aos funcionários do Hamas como aos egípcios de ambos os lados da passagem de Rafah.

Coesão territorial

Os dois principais territórios palestinianos, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, estão territorialmente desconectados há décadas, criando duas realidades políticas e sociais distintas. Israel eliminou qualquer forma de continuidade territorial, impedindo mesmo os laços familiares.

A separação foi aprofundada pela divisão política e pelo facto de os dois territórios serem, na prática, governados por entidades diferentes.

A isto juntam-se os quatro milhões de palestinianos que vivem fora da Palestina, sobretudo na Jordânia e no Líbano, mas também na Europa ou nos Estados Unidos. São descendentes daqueles que fugiram de casa durante aquilo a que chamam a Nakba (catástrofe, em árabe) em 1948, quando foi criado o Estado de Israel, e que nunca foram autorizados a regressar.

Quando aconteceram os primeiros reconhecimentos?

Em 15 de novembro de 1988, alguns meses após o início da primeira Intifada, a revolta palestiniana contra a ocupação israelita, o líder da Organização de Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, proclamou "a criação do Estado da Palestina", com Jerusalém como capital. Fê-lo a partir da tribuna do Conselho Nacional Palestiniano, que funcionava como um parlamento no exílio, em Argel.

Poucos minutos depois, a Argélia reconheceu oficialmente o novo Estado.

Uma semana mais tarde, 40 países, entre os quais China, Índia, Turquia e a maior parte dos países árabes, deram o mesmo passo. Quase todos os países do continente africano e do bloco soviético seguiram o exemplo.

Principalmente em 2010 e 2011, a maioria dos países da América Central e Latina seguiu o mesmo caminho, marcando distância na cena internacional em relação aos Estados Unidos, o grande aliado de Israel.

Qual o posicionamento na ONU?

Sob a presidência de Mahmoud Abbas, sucessor de Arafat, que morreu em 2004, a ANP lançou uma ofensiva diplomática ao nível das instituições internacionais. Numa votação histórica, em novembro de 2012, foi concedido ao Estado da Palestina o estatuto de observador nas Nações Unidas.

Embora este estatuto não lhe confira o estatuto de membro de pleno direito com direito de voto, dá-lhe acesso às agências da ONU e aos tratados internacionais. A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) preparou o caminho ao admitir a Palestina como membro de pleno direito em outubro de 2011.

A Suécia é pioneira na UE

Em 2014, a Suécia tornou-se o primeiro país da UE a reconhecer o Estado da Palestina, depois de a República Checa, a Hungria, a Polónia, a Bulgária, a Roménia e Chipre o terem feito antes de aderirem à União Europeia.

A decisão de Estocolmo, tomada numa altura em que os esforços para resolver o conflito israelo-palestiniano chegaram a um impasse total, conduziu a anos de relações tempestuosas com Israel.

Com Lusa

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