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2 anos de guerra: economia da Ucrânia luta para se reerguer enquanto a de Moscovo resiste

O início da guerra na Ucrânia teve um forte impacto na economia de Kiev. Enquanto isso, os países ocidentais aplicavam sanções à Rússia para tentar travar o conflito. Dois anos depois, como estão as duas economias?

Andrii Marienko

Lusa

A economia ucraniana procura recuperar-se apesar da guerra, dois anos depois do início da invasão pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, suportada em grande parte pela ajuda militar e financeira internacional.

No ano do início dos combates, avassalador em vidas humanas e em destruição, o Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano contraiu-se 29,1%, a maior queda desde 1991 (ano de independência do país), que compara com o crescimento de 3,4% registado em 2021.

Apesar do colapso, a economia ucraniana começou a trilhar o caminho da recuperação ao longo de 2023, com o crescimento do PIB real a superar as expectativas, principalmente devido às melhores colheitas e ao desenvolvimento de rotas alternativas de exportação.

O FMI previa no World Economic Outlook (WEO), em outubro do ano passado, que a economia crescesse 2% em 2023 e 3,2% em 2024, mas a diretora da instituição, num encontro em dezembro com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, destacou que "a economia apresenta um forte desempenho, prevendo-se que o crescimento do PIB atinja pelo menos 4,5%" em 2023.

Apesar da revisão em alta pela instituição de Bretton Woods, o Banco Nacional da Ucrânia está ainda mais otimista e, em janeiro deste ano, apontou para uma recuperação do PIB de 5,7% em 2023, seguido de um aumento de 3,6% em 2024, com uma desaceleração do crescimento justificada por uma "diminuição esperada nas colheitas" e "maiores disparidades no mercado de trabalho provocadas pela guerra".

Prevê ainda "despesas orçamentais a continuarem elevadas, tendo em conta os esperados fluxos suficientes de assistência financeira internacional" e uma nova aceleração do crescimento económico em 2025/2026 para 4%-6% ao ano.

A recuperação da economia ucraniana está, assim, fortemente dependente das exportações de cereais, que desde fevereiro de 2022, sofrem grandes perturbações. De acordo com dados do Conselho Internacional de Cereais, a sua produção no país caiu 29% na campanha de 2022/2023 face à de 2021/2022, prevendo-se que continue a reduzir-se.

Segundo dados da União Europeia (UE), em 2021, os agricultores ucranianos semearam quase 17 milhões de hectares de culturas de primavera, mas, após o início da guerra, em 2022 semearam menos 22% ("a área não semeada -- 2,8 milhões de hectares -- é quase equivalente à área da Bélgica").

Depois de mais de quatro meses no início dos combates de bloqueio dos portos ucranianos no Mar Negro por navios russos, esteve em vigor, entre julho de 2022 e 2023, a Iniciativa dos Cereais do Mar Negro (entre a Organização das Nações Unidas, a Rússia e a Turquia), que permitiu a passagem das exportações ucranianas através de um corredor marítimo. Contudo, em julho do ano passado Moscovo rompeu o acordo.

Segundo dados da UE, em julho de 2023, contabilizavam-se quase 33 milhões de toneladas de cereais e outros produtos alimentares exportados por intermédio da Iniciativa.

A Ucrânia tem procurado alternativas, como o acordo de cooperação que estabeleceu com a Roménia, mas a UE alerta que "embora o impacto da guerra nas exportações ucranianas de cereais tenha sido atenuado pela sementeira anterior à guerra e pelas grandes quantidades de existências acumuladas em 2022, as exportações futuras serão gravemente afetadas devido à perda ou deterioração das instalações de produção e às superfícies não plantadas".

Entre as medidas de apoio concedidas pela UE à Ucrânia inclui-se a liberalização temporária do comércio e outras concessões comerciais.

O Presidente ucraniano tem-se desdobrado em apelos para que o Ocidente reforce os apoios financeiros, para reconstruir a economia, defendendo por exemplo a entrega dos ativos congelados por países terceiros à Ucrânia, para reconstruir "escolas, casas, abrigos antiaéreos, hospitais, universidades, igrejas" destruídas pelos ataques.

Paralelamente, tem-se reunido com representantes de grandes multinacionais -- como as gestoras de ativos JPMorgan e BlackRock -- para atrair investimento para o país.

No país, outro dos desafios passa pelo controlo da inflação, após o disparo registado no ano da invasão. O Índice de Preços no Consumidor (IPC) saltou de 10% em 2021 para 26,6% em 2022, reduzindo-se para 5,1% em 2023. Já a inflação core -- a que exclui os preços mais voláteis como energia e alimentos -- subiu de 7,9% em 2021 para 22,6% em 2022, diminuindo para 4,9% em 2023, segundo dados do banco central ucraniano.

O Banco Nacional da Ucrânia, que na última reunião, em janeiro, decidiu manter inalterada a taxa de juro diretora em 15%, destacou que, apesar da guerra, "a pressão inflacionista diminuiu significativamente no ano passado", com a inflação a abrandar para 5,1% em novembro e a manter-se neste nível em dezembro.

"As boas colheitas e os preços globais mais baixos da energia foram os principais fatores subjacentes à diminuição da pressão sobre os preços. A moratória sobre os aumentos tarifários para determinados serviços públicos desempenhou um papel importante", explicou o banco, em janeiro.

No entanto, a partir de meados deste ano, a inflação deverá voltar a acelerar ligeiramente, com o banco central a prever que o IPC feche 2024 nos 8,6%, caindo novamente para 5,8% em 2025.

As reservas internacionais da Ucrânia aumentaram 42% em 2023, para 40,5 mil milhões de dólares (cerca de 37,35 mil milhões de euros), em grande medida refletindo o apoio internacional, que o banco central acredita irá continuar a ser a principal fonte de fluxos de capital.

No cenário de base da previsão do Banco Nacional da Ucrânia, o país irá receber cerca de 37 mil milhões de dólares em empréstimos e subvenções estrangeiros em 2024.

A diretora do FMI reafirmou, em janeiro, a "estreita colaboração" da instituição no programa económico das autoridades apoiado no âmbito do Extended Fund Facility (EFF) de 15,6 mil milhões de dólares do FMI, que faz parte de um pacote de apoio internacional de 122 mil milhões de dólares (cerca de 103,22 mil milhões de euros).

"O financiamento externo atempado e previsível é fundamental para sustentar os ganhos económicos arduamente obtidos. Aguardamos com expectativa o nosso envolvimento contínuo com a Ucrânia na preservação da estabilidade macroeconómica e financeira, na implementação de uma agenda de reformas ambiciosa e na construção das bases para uma economia forte com crescimento sustentável e para o objetivo da Ucrânia de adesão à UE", disse.

Economia russa continua a resistir dois anos depois de o país ter iniciado invasão

A militarização da economia russa, com a reorientação praticamente total para a indústria do armamento, com o aumento da produção, têm-lhe permitido resistir e evitar o colapso perante as sanções internacionais, dois anos depois da invasão da Ucrânia.

No final de 2022, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano se contraia quase 30%, o russo encolhia 1,2%. No ano seguinte, em 2023, a economia russa voltou a mostrar-se resiliente e a atividade cresceu, conseguindo uma expansão do PIB de 3,6%, segundo a primeira estimativa publicada pela agência de estatísticas Rosstat.

A atividade foi apoiada por preços favoráveis da energia, condições de crédito mais flexíveis e sobretudo por uma procura interna estimulada pelo setor da Defesa, com um aumento dos salários reais para atrair trabalhadores para os setores mais afetados pela escassez, com mais de meio milhão de russos na indústria de defesa desde 2022, segundo as autoridades.

O crescimento da economia deverá desacelerar ligeiramente para 2,6% em 2024 e 1,1% em 2026, mas ainda assim para este ano acima do previsto anteriormente, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgados, em janeiro, no World Economic Outlook (WEO).

A evolução prevista reflete o efeito de arrastamento do crescimento mais forte do que o esperado em 2023, devido aos elevados gastos militares e ao consumo privado, apoiado pelo crescimento dos salários num mercado de trabalho restritivo.

Uma previsão dentro do intervalo projetado pelo Banco Central da Rússia, que espera um crescimento do PIB entre 1% a 2% em 2024 e 2025 e entre 1,5% e 2,5% em 2026.

"No que diz respeito à questão da economia russa e das sanções, o que posso dizer é que a economia da Rússia tem, de facto, surpreendido em termos da força do crescimento até agora", afirmou a porta-voz do FMI, Julie Kozack, em conferência de imprensa, em Washington, esta semana.

A representante do FMI destacou, contudo, que a Rússia tem "uma economia de guerra", pelo que existe "uma grande quantidade de despesas militares na economia, o que está a impulsionar a produção".

Um estudo da Allianz Trade, acionista da COSEC - Companhia de Seguro de Créditos, destaca que as indústrias de guerra e a construção, em particular, aumentaram nos últimos dois anos, sendo a sua produção, em 2023, 35% e 15% superior à de 2021, respetivamente.

Segundo o presidente russo, Vladimir Putin, mais de meio milhão de russos aderiram à indústria de defesa desde 2022 e, no último ano e meio, foram criados 520 mil novos empregos nesta área.

A Allianz Trade assinala que, por outro lado, a produção nos setores automóvel e dos transportes aéreos ficou, no ano passado, "muito abaixo dos níveis anteriores à guerra", enquanto paralelamente o país registou uma redução do excedente da balança corrente.

As exportações russas de bens e serviços caíram 27% em termos anuais em 2023, devido ao aumento das sanções ocidentais e à relativa normalização dos preços globais do petróleo e do gás, segundo o estudo, que, contudo, alerta que existe uma "potencial evasão das sanções".

"Apesar dos esforços de aplicação das sanções, os produtos da UE continuam a chegar à Rússia através de países terceiros. Os dados comerciais sugerem que os produtos sancionados pela UE estão a ser exportados da UE para nações como a Turquia e países da Ásia Central que têm laços estreitos com a Rússia e não impuseram sanções", refere.

A análise aponta que, embora a maioria dos países ocidentais tenha reduzido significativamente as exportações diretas para a Rússia, as exportações da UE para a Turquia aumentaram 106%, em média, entre 2019 e 2023 e as economias da Ásia Central registaram um aumento de 172% durante o mesmo período.

"Estas tendências coincidem com o aumento do comércio entre estas regiões e a Rússia", argumenta.

Paralelamente, chegam de Moscovo sinais de sobreaquecimento da economia, alimentado pela explosão de encomendas militares para abastecer os soldados russos que combatem na Ucrânia. O aumento de preços tem sido uma das principais preocupações da população russa, cujo poder de compra tem sido penalizado pelo efeito das sanções ocidentais e pela fragilidade do rublo face ao euro e ao dólar.

O Presidente russo já pediu ao Governo "uma atenção especial" ao "controlo" da inflação, a menos de um mês das eleições presidenciais que o devem reeleger para ficar no Kremlin até 2030.

De acordo com os dados do Banco Central Russo, no final de dezembro, a inflação homóloga no país foi de 7,4% (a mesma taxa registada em janeiro deste ano), tendo a inflação média anual sido de 5,9%. A instituição prevê que a taxa anual irá cair para entre 4% a 4,5% em 2024 e estabilizará perto dos 4% posteriormente.

Em fevereiro, o Banco Central da Rússia manteve a taxa de juro em 16%, apontando que as pressões inflacionistas, apesar de altas, abrandaram face aos meses de outono, depois de nos últimos meses ter tentado combater a subida de preços.

O banco tinha subido, em dezembro, a principal taxa de juro para 16%, o quinto aumento consecutivo desde julho de 2023, para travar o aumento de preços registado desde a primavera passada. Em 14 de fevereiro de 2022, a principal taxa era de 9,50%, tendo subido em 28 de fevereiro, dias depois da invasão, para 20%.

O FMI prevê que, daqui para a frente, com a Rússia isolada do sistema financeiro internacional (na sexta-feira, a União Europeia anunciou o 13.º pacote de sanções contra o país, que excede o limiar de 2.000 inclusões na lista, e os EUA mais 500 novas sanções) e um acesso reduzido às tecnologias, aliado a uma perda de mão-de-obra altamente qualificada na força de trabalho, o crescimento venha a enfraquecer "a médio prazo".

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