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Extrema-direita, a ganhar protagonismo (e cadeiras) em Espanha desde... 2019

O avanço da extrema-direita na vizinha Espanha dominou a pré-campanha das legislativas nacionais espanholas, marcadas para 23 de julho. Mas o protagonista é, sobretudo, o de um partido: o VOX, que elegeu os primeiros deputados há apenas cinco anos.

Bernat Armangue/AP

Lusa

SIC Notícias

Foi no parlamento regional da Andaluzia que o VOX conseguiu os primeiros deputados (12), em 2018, resultado de 10,9% dos votos. Desde então, elegeu 52 deputados para o parlamento nacional, onde se tornou na terceira força política, em 2019, e entrou, coligado com o Partido Popular (PP) em três governos regionais.

Com as eleições locais e regionais de 28 de maio último entrou também em mais de 100 executivos de grandes municípios coligado com o PP.

A confirmarem-se a maioria das sondagens, o PP ganhará as eleições de 23 de julho sem maioria absoluta, que poderá conseguir com uma coligação com o VOX, cenário que a liderança do Partido Popular já admitiu. Segundo as mesmas sondagens, o VOX conseguirá cerca de 15% dos votos, um resultado semelhante ao que teve nas legislativas anteriores, de 2019.

"Espanha não é excecional no contexto europeu ou no contexto das democracias ocidentais. Muito poucas democracias se livram neste momento deste tipo de partidos", diz à Lusa o professor de Ciência Política na IE University, de Madrid, Óscar Martínez Tapia

Aquilo que diferencia o VOX em relação a outros casos é que com 15% de votos, num sistema parlamentar e político como o espanhol, consegue um número de deputados "que lhe permite ter poder de chantagem sobre outros partidos".

Isso diferencia Espanha de França, por exemplo, onde um partido de extrema-direita como o de Marine Le Pen, mais antigo do que o VOX, "é muito potente, mas por causa do sistema eleitoral francês e do semipresidencialismo não chega a ter essa importância no momento de fazer políticas", explica Oscar Martínez Tapia.

O VOX foi fundado no final de 2013, ainda sob os impactos da crise financeira de 2008, por um antigo militante do PP, Santiago Abascal.

O partido partilha com movimentos de extrema-direita de outros países propostas e um discurso nacionalistas, contra o projeto da União Europeia, securitários ou de controlo da imigração que são considerados xenófobos e discriminatórios de grupos sociais.

Estes partidos nascem, por norma, de uma "onda de descontentamento" e "costumam pescar votos numa parte da população" que tem sentimentos de desigualdade e frustração, afirma Oscar Martinez Tapia.

O académico dá como exemplo a Alternativa pela Alemanha, que segundo estudos recentes se aproxima dos 20% de apoio dos eleitores, "de um tipo de votante muito farto dos ecologistas, do movimento verde".

"Um movimento que te faz sentir sempre mal, que obriga a investimentos muito grandes e tem com frequência pouca sensibilidade na transmissão da mensagem", acrescenta.

Em Espanha, está a acontecer "um pouco o mesmo", com o movimento ecologista ou com "um feminismo mais ou menos radical", considera o professor, que realça que estes "são movimentos de reação" e que também por isso, em vários casos, "insuflam e desinsuflam rapidamente" e não se conseguem "manter constantes no tempo".

"Mentiras” geradoras de medo

Nascido no rescaldo da crise financeira de 2008, o VOX beneficiou-se muito do "efeito significativo" do separatismo catalão, que culminou com uma tentativa de independência da Catalunha em 2017 e fez "enaltecer e crescer um nacionalismo espanhol que não existia", "orgulhoso de um passado que seguramente não conhecia", realça Oscar Martínez Tapia.

Em 2023, o discurso do VOX está pouco ou nada focado na economia e dirige-se para questões relacionadas com a unidade de Espanha e o independentismo (quer, por exemplo, acabar com as autonomias), a identidade e a igualdade de género, a imigração ou o ambiente (tem entre os militantes negacionistas assumidos das alterações climáticas).

"Estamos a falar de um voto sobretudo de identidade", resume Oscar Martínez Tapia, que acrescenta que é também comum noutros partidos de extrema-direita e esteve associado à eleição de Donald Trump e de Jair Bolsonaro como presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, respetivamente.

"Agora, estamos talvez num estado 'pós-covid' que acentuou bastante a irritação e a incerteza, o que muita gente não encara bem" e, "ao não ver nada de atrativo no futuro, essas pessoas começam a olhar para o passado e o passado é identidade e dá umas certezas que o futuro não pode dar", diz o cientista político, para quem, "como se isto fosse pouco, o apocalipse climático também não ajuda muito a imaginar o futuro".

"É uma combinação que, em Espanha, além disso, se combina com os touros, a caça, o futebol ou a anti-imigração", que a "comunicação política" da extrema-direita usa, baseando-se em "mentiras demonstradas estatisticamente, mas que fazem com que as pessoas se preocupem" e tenham medo, sendo que "o medo é muito catalisador e aglutinador em certos setores da população", diz Oscar Martínez Tapia.

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