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Detetado o eco emitido pelo buraco negro no centro da nossa galáxia há 200 anos

Sagitário A*, o buraco negro no centro da Via Láctea, não está tão adormecido como pensávamos. Oiça aqui o som que o buraco negro faz quando está “acordado”.

Chandra X-ray Observatory Center

Catarina Solano de Almeida

Pensávamos que o gigante estava a dormir, mas afinal Sagitário A*, o buraco negro supermassivo que está no cento da nossa galáxia Via Láctea, acordou no passado recente e esteve a devorar objetos cósmicos que se aproximaram demasiado. E voltou a adormecer.

O festim aconteceu há 200 anos e o satélite espacial IXPE da NASA detetou recentemente um eco desse momento, de acordo com um estudo publicado na quarta-feira na Nature.

Sagitário A* (Sgr A* - pronuncia-se Sagitário A-estrela), que se encontra na constelação de Sagitário, está localizado a 27.000 anos-luz da Terra, no coração de nossa galáxia. Foi observado na década de 1990 e a sua presença foi comprovada em imagens há um ano.

Com uma massa de cerca de quatro milhões de sóis e 13 mil milhões de anos, "sempre se pensou que era um buraco negro adormecido", disse à AFP Frédéric Marin, investigador do CNRS no Observatório Astronómico de Estrasburgo e responsável pelo estudo.

Sgr A* está num estado de quiescência, como a maioria dos buracos negros supermassivos em centros galácticos que engoliram toda a matéria dentro do seu raio de atração.

“Como um urso em hibernação depois de ter devorado tudo à sua volta”, acrescenta o investigador.

Mas a sua equipa descobriu que, no final do século XIX (período que se estabeleceu por estimativa de distância), o gigante adormecido saiu do seu torpor e engoliu todo o gás e poeiras que passavam perto de si, durante vários meses ou até um ano. E voltou a adormecer.

Durante esse período, Sgr A* era "pelo menos um milhão de vezes mais brilhante do que é hoje", explica Frédéric Marin. Tinha uma potência equivalente à dos buracos negros supermassivos extremamente ativos que estão na origem dos quasares, como o seu congénere M87* na galáxia Messier 87, a 55 milhões de anos-luz de distância.

Nenhum efeito foi sentido na Terra, pois a distância entre Sgr A* e o nosso planeta é enorme - cerca de dois mil milhões de vezes a distância entre a Terra e o Sol.

Nuvens a brilhar mais do que o normal deram a pista

Este momento de grande apetite de Sgr A* foi revelado pela radiação fora de comum de nuvens moleculares que estão na vizinhança do buraco negro: gigantes de gás e poeiras geladas "que não deveriam emitir tanta luz em raios X", diz o investigador.

"Um dos cenários para explicar porque é que estas nuvens moleculares gigantes estão a brilhar é que estão, de facto, a ecoar um flash de luz de raios X que já passou há muito tempo, indicando que o nosso buraco negro supermassivo não estava assim tão quiescente há alguns séculos atrás", diz Frédéric Marin.

“A intensidade da emissão de raios-X entre o sono e o despertar do buraco negro pode ser comparada a um pirilampo à espreita numa floresta que de repente se torna tão luminoso quanto o Sol”, explica o CNRS em comunicado à imprensa.

Com as observações do satélite IXPE (Imaging X-ray Polarimetry Explorer) foi possível detetar a polarização dessa luz de raios-X - o seu campo elétrico e o seu campo magnético vibravam numa direção específica.

Como uma "bússola estelar", a polarização apontava na direção de Sgr A*, sugerindo que era esta a fonte da radiação refletida pelas nuvens moleculares.

O buraco negro “emitiu assim um eco da sua atividade passada, que conseguimos observar pela primeira vez”, saúda o cientista, representante francês do consórcio internacional da missão IXPE.

  • Clique neste link para ouvir a sonorização do eco emitido por Sgr A* há 200 anos

A densidade de um buraco negro é tal que nada pode escapar, nem mesmo a luz. Mas antes de a matéria cruzar a fronteira final (chamada horizonte de eventos) para ser engolida para sempre, ela gira, aquece e emite luz.

Resta saber o que causou o despertar de Sgr A*: uma nuvem a passar antes de cair no buraco negro? Uma estrela que se aventurou muito perto?

Nova observações, planeadas para setembro com o IXPE, deverão ajudar a entender melhor o ciclo de atividade do Sgr A*, e talvez levantar a ponta do véu sobre a origem dos buracos negros supermassivos que permanece um enigma da astronomia.

Missão para “caçar” buracos negros

A missão Euclid da Agência Espacial Europeia, com lançamento previsto para 1 de julho, dará início a "uma era de 'big data' [megadados]" para os caçadores de buracos negros, criando um mapa de alta resolução de parte do Universo, disse o cientista, acrescentando que, em seis anos de observação, Euclid poderá detetar até 100.000 lentes gravitacionais e, potencialmente, vários milhares de buracos negros.

Com AFP e Nature

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