Num sistema estelar fora de comum, uma supernova explodiu “discretamente". A explosão sem brilho, conhecida como supernova “ultra-despojada”, levou os astrónomos a descobrir o ”segredo" que escondiam duas estrelas a cerca de 11.400 anos-luz da Terra.
Os cientistas revelaram na revista Nature desta semana uma supernova que explodiu sem “estrondo” - uma estrela massiva que viu todo o seu material desviado pelo puxão gravitacional de uma estrela companheira (num “casamento estelar” chamado sistema binário). Quando explodiu no final do seu ciclo de vida, mal conseguiu emitir um “gemido”.
Mas afinal, o que os astrónomos pensaram ser um fracasso pode vir a ser ainda mais espectacular do que inicialmente pensavam. Este raro evento cósmico produz uma superdensa estrela de neutrões e é aqui que se torna ainda mais interessante.
A explosão final foi tão branda que a estrela colapsada - agora um objeto incrivelmente denso chamado estrela de neutrões - permanece numa calma órbita circular com a sua companheira. Uma explosão mais poderosa teria, no mínimo, resultado numa órbita mais oval e poderia até ter enviado a estrela e a sua companheira em direções opostas.
Este sistema binário - CPD-29 2176 -, estudado com um telescópio do Observatório Interamericano Cerro Tololo, no Chile, está localizado a cerca de 11.400 anos-luz da Terra, na nossa galáxia, a Via Láctea, na direção da constelação de Puppis.
- Um ano-luz é a distância que a luz percorre num ano: 9 460 730 472 580,8 de quilómetros, ou seja, mais de 9 biliões de quilómetros
A massa da estrela de neutrões é cerca de 1,4 vezes maior que a do nosso Sol, tendo sido anteriormente 12 vezes mais massiva que o Sol.
A sua estrela companheira possui uma massa de 18 a 19 vezes maior que a do Sol depois de canibalizar a sua companheira. As duas estrelas orbitam em volta uma da outra a cada 59 dias e meio.
Supernova "ultra-despojada"
A fraca explosão estelar que ocorreu chama-se supernova "ultra-despojada", que acontece quando uma estrela massiva colapsa depois de ficar sem combustível no seu núcleo, mas não consegue provocar uma forte explosão porque uma estrela companheira sugou grande parte das suas camadas externas e removeu material que, de outra forma, seria ejetado com violência para o espaço.
"Como há pouco material no envelope estelar, quase não há material ejetado do choque", explicam dois autores do estudo, o astrónomo Noel Richardson, da Embry-Riddle Aeronautical University, principal autor, e a coautora Clarissa Pavao, estudante de Física na mesma Universidade.
"Se houvesse mais explosão, a órbita não seria circular. Uma supernova normal não destruiria necessariamente a companheira, mas poderia atrapalhar muito mais a órbita. Poderia, por exemplo, dar um pontapé no sistema que torna a órbita muito mais elíptica ou até mesmo enviar a estrela sobrevivente e a estrela de neutrões em trajetórias rápidas em direções opostas com velocidades que podem até mandá-las para fora da galáxia"
O tipo de sistema binário examinado neste estudo é raro, estimando-se que existam aproximadamente 10 em toda a Via Láctea que é povoada por cerca de 200 a 400 milhares de milhões de estrelas.
O “segredo” de estrelas de neutrões
Estrelas de neutrões formam-se nesses eventos explosivos – as supernovas - e são um dos objetos mais compactos do Universo, juntamente com os buracos negros.
Apesar de terem uma massa comparável à do Sol, entre uma a duas massas solares aproximadamente, o seu raio não vai além de 15 quilómetros, muito inferior ao raio do Sol, com cerca de 700 mil quilómetros.
Quando duas estrelas de neutrões colidem, libertam em poucos dias mais energia que o Sol em toda a sua vida. Atualmente, pensa-se que a formação dos elementos mais pesados que conhecemos, entre os quais os metais nobres, como o ouro e a platina, poderá acontecer quando duas estrelas de neutrões colidem.
E os astrónomos preveem que a companheira da supernova ultra-despojada também um dia entrará em colapso para se tornar uma estrela de neutrões. E as duas acabarão por se fundir.
Esta é assim a primeira deteção confirmada de um sistema estelar que um dia acabará por desencadear uma kilonova – quando estrelas de neutrões colidem e explodem, libertando ouro e outros elementos pesados para o espaço.
Uma kilonova foi pela primeira vez detetada em 2017, mas os astrónomos registaram apenas as consequências do evento, graças a observações de luz e ondas gravitacionais.
Neste novo estudo os cientistas identificam pela primeira vez um sistema estelar binário que sabem que terminará numa explosão de kilonova.
Mas esse é um trabalho para os astrónomos do futuro. Embora este sistema tenha todo o material necessário para eventualmente formar uma kilonova, levará pelo menos um milhão de anos para a estrela massiva terminar a vida numa explosão titânica de supernova e deixar para trás uma segunda estrela de neutrões. Esse novo remanescente estelar e a estrela de neutrões pré-existente precisarão de se unir gradualmente e ir lentamente perdendo energia.
Quando as duas estrelas de neutrões eventualmente se fundirem, a kilonova resultante produzirá ondas gravitacionais muito poderosas e dará origem a uma grande quantidade de metais nobres.
Um “casamento estelar” raro
O tipo de sistema binário examinado neste estudo é raro, estimando-se que existam aproximadamente 10 em toda a Via Láctea.
Os cientistas têm ponderado se existem em tais sistemas binário também planetas capazes de abrigar vida, como o imaginário Tatooine, o planeta natal do personagem Luke Skywalker de "Guerra das Estrelas".
“Sabemos que existem alguns sistemas binários com planetas, mas estes são difíceis de confirmar”, diz Richardson.