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Descoberto um buraco negro fora da nossa galáxia graças à distorção de uma estrela

Astrónomos detetaram diretamente um buraco negro num aglomerado de estrelas muito jovem com um método que promete novas descobertas sobre estes objetos difíceis de localizar.

Imagem artística do buraco negro no aglomerado de estrelas NGC 1850 a distorcer a sua estrela companheira
ESO/M. Kornmesser

Catarina Solano de Almeida

Os astrónomos descobriram um pequeno buraco negro fora da Via Láctea quando obervavam a influência que este exerce sobre uma estrela vizinha, anunciou esta quinta-feira o Observatório Europeu do Sul (ESO).

Foi a primeira vez que este método de deteção foi usado para revelar a presença de um buraco negro fora da nossa galáxia.

"O método pode ser a chave para desvendar buracos negros ocultos na Via Láctea e galáxias próximas e para ajudar a lançar luz sobre como esses objetos misteriosos se formam e evoluem", segundo o ESO.

O buraco negro agora descoberto situa-se em NGC 1850, um aglomerado com milhares de estrelas situado a cerca de 160 mil anos-luz na Grande Nuvem de Magalhães, galáxia vizinha da Via Láctea.

“Tal como Sherlock Holmes a perseguir criminosos, também nós estamos a observar cada estrela deste enxame com uma ‘lupa na mão’ tentando descobrir provas que apontem para a presença de buracos negros sem os vermos diretamente,” explica a líder do estudo, Sara Saracino do Astrophysics Research Institute of Liverpool John Moores University no Reino Unido.

“Este resultado representa apenas um dos ‘criminosos’ procurados, mas uma vez que descobrimos um, estamos a caminho de descobrir muitos mais, em enxames estelares diferentes”, segundo Sara Saracino.

"A distorção na forma da estrela deve-se à enorme força gravitacional exercida pelo buraco negro"

O primeiro “criminoso” descoberto pela equipa tem cerca de 11 vezes a massa do nosso Sol e encontra-se no aglomerado NGC 1850, um aglomerado estelar jovem - tem apenas cerca de 100 milhões de anos de idade, um piscar de olhos à escala astronómica, segundo o ESO.

A pista concreta que conduziu à deteção deste buraco negro foi a observação da influência gravitacional que exerce numa estrela com cinco massas solares que o orbita.

“Quando formam um sistema com uma estrela, os buracos negros afetam o movimento estelar de modo subtil mas detetável e por isso podemos observá-los com instrumento sofisticados", explica Stefan Dreizler, da Universidade Georg-August em Göttingen, Alemanha.

"A maioria dos buracos negros não mostra a sua presença através de raios X ou ondas gravitacionais"

Os astrónomos tinham já descoberto pequenos buracos negros de várias massas estelares noutras galáxias ao observar os raios X emitidos por estes objetos à medida que engolem matéria ou através das ondas gravitacionais que são geradas quando os buracos negros colidem uns com os outros ou com estrelas de neutrões.

No entanto, a maioria dos buracos negros com massas estelares não mostra a sua presença através de raios X ou de ondas gravitacionais.

“A vasta maioria destes objetos só pode ser descoberta dinamicamente,” explica Stefan Dreizler

Este método dinâmico utilizado por Sara Saracino e a sua equipa poderá ajudar os astrónomos a descobrir muito mais buracos negros, ajudando assim a desvendar os seus mistérios.

“Cada deteção que fizermos será importante para compreendermos melhor os enxames estelares e os buracos negros que aí se encontram,” disse o co-autor do estudo Mark Gieles da Universidade de Barcelona, Espanha.

Compreender os buracos negros e as ondas gravitacionais

Utilizando este método dinâmico em aglomerados estelares semelhantes, os astrónomos acreditam conseguir descobrir buracos negros ainda mais jovens e aprender mais sobre como é que estes objetos evoluem.

Ao compará-los com buracos negros maiores e mais velhos, situados em enxames estelares mais velhos, os astrónomos poderão compreender como é que estes objetos crescem, “alimentando-se” de estrelas ou fundindo-se com outros buracos negros.

Além disso, fazer o mapa de buracos negros em enxames estelares ajudará a compreender a origem de ondas gravitacionais.

Para levar a cabo este trabalho de investigação, a equipa utilizou dados obtidos durante dois anos com o instrumento MUSE (Multi Unit Spectroscopic Explorer) montado no VLT do ESO, no deserto chileno do Atacama.

“O MUSE permitiu-nos observar áreas densamente povoadas [de estrelas], tais como as regiões mais internas dos enxames estelares, e analisar cada estrela individualmente. O resultado final é a obtenção de informação sobre milhares de estrelas de uma só vez, pelo menos 10 vezes mais do que com outro instrumento qualquer,” diz o co-autor Sebastian Kamann, especialista de longa data do MUSE, que trabalha em Liverpool no Astrophysics Research Institute.

Deste modo, a equipa conseguiu identificar a estrela estranha cujo movimento peculiar assinalava a presença de um buraco negro. Com dados da Experiência de Lentes Gravitacionais Ópticas da Universidade de Varsóvia e do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA, a equipa conseguiu ainda medir a massa do buraco negro e confirmar os resultados.

O estudo foi aceite para publicação na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Esta animação mostra o buraco negro compacto com 11 massas solares e a sua companheira, uma estrela de 5 massas solares que orbita o buraco negro. Os dois objetos situam-se em NGC 1850, um aglomerado com milhares de estrelas a cerca de 160 mil anos-luz na Grande Nuvem de Magalhães. A distorção na forma da estrela deve-se à enorme força gravitacional exercida pelo buraco negro.

  • O que são buracos negros?

São corpos extremamente densos e escuros no centro das galáxias de onde nada escapa, nem mesmo a luz.

A deformação do espaço-tempo provocada por um buraco negro é descrita pela Teoria da Relatividade Geral de Einstein.

  • O que são ondas gravitacionais?

As ondas gravitacionais são pequenas ondulações no tecido espaço-tempo, provocadas pela deslocação de um corpo com grande massa, e que se propagam no Universo à velocidade da luz.

O fenómeno acontece com uma supernova (explosão de uma estrela em fim de vida) ou com duas estrelas de grande massa muito próximas uma da outra, assim como com a colisão de buracos negros.

A 2 de fevereiro de 2016, cientistas de várias nacionalidades anunciaram que ouviram as ondas gravitacionais produzidas pela colisão de dois buracos negros a 400 megaparsecs (1.3 mil milhões anos-luz) da Terra. A revista científica Nature reproduziu a comunicação.

As ondas gravitacionais tinham sido detetadas a 14 de setembro de 2015 pelos dois instrumentos do Observatório Ligo (Laser Interferometer Gravitational-wave Observatory), nos EUA.

A observação de ondas gravitacionais valeu a três astrofísicos norte-americanos o Prémio Nobel da Física 2017.

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