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Manifestações históricas em Israel: o que motiva os protestos?

O Governo israelita apresentou um conjunto de leis para reformar o sistema judicial do país. As medidas estão a ser muito criticadas por retirarem autonomia ao Supremo Tribunal de Israel.

Ohad Zwigenberg

Filipa Traqueia

SIC Notícias

O Presidente de Israel pediu, esta segunda-feira, ao primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, que ponha um fim à reforma judicial. Pediu que atue “com responsabilidade e coragem” e que acabe “de imediato” com o processo legislativo que está a desencadear uma das mais graves crises internas no país. Nas ruas, milhares de pessoas protestam contra esta reforma.

"Pelo bem da unidade do povo de Israel, pelo bem da responsabilidade necessária, peço que ponham fim ao processo legislativo de imediato", afirmou Isaac Herzog, em comunicado. "Toda a nação está profundamente preocupada. A nossa segurança, economia, sociedade - todos estão sob ameaça.”

Mais de 650 mil pessoas saíram à rua na noite de domingo, naquele que é já o maior protesto da história de Israel. Esta segunda-feira, milhares voltaram a manifestar-se contra esta reforma judicial proposta pelo Governo.

Os protestos intensificaram-se depois de Netanyahu ter demitido o ministro da Defesa, Yoav Gallant, horas após o governante ter apelado publicamente à suspensão da reforma judicial. Foi a primeira voz crítica dentro do Governo israelita.

Na manhã desta segunda-feira, o Governo de Netahnyahu sobreviveu a uma moção de censura no Parlamento – o Knesset. Tanto a oposição como uma grande parte da opinião pública acusam o primeiro-ministro de querer reformar o sistema judicial por causa do processo de corrupção contra ele, que está atualmente a decorrer.

O processo de reforma judicial está na origem de uma das mais graves crises em Israel. A oposição generalizada uniu-se aos líderes empresariais, aos funcionários judiciais e aos militares contra a medida apresentada pelo Governo.

O que é o projeto da reforma judicial e porque está a ser tão polémico?

A proposta de reforma judicial apresentada pelo Governo pretende retirar poder ao Supremo Tribunal de Israel, atribuindo maior controlo ao Parlamento. As novas leis preveem, entre outras, a alteração do processo de nomeação dos juízes e a alteração das deliberações judiciais tomadas por este tribunal. Esta reforma, a confirmar-se, será a mais significativa desde que o sistema judiciário foi fundado, em 1948.

O Governo começa por alterar a composição do comité que recomenda a nomeação de juízes para o Supremo Tribunal. Este organismo passaria de nove para 11 elementos, sendo composto, na sua maioria, por elementos do Governo e da coligação parlamentar. A composição proposta pela reforma incluía três ministro, três deputados da coligação governamental, além dos três juízes e dois deputados da oposição. Ou seja: seis dos 11 membros seriam associados ao Executivo.

Nethanyahu tem argumentado que o Supremo Tribunal se tornou um grupo elitista, que não representa a população israelita e que delibera sobre assuntos que não lhe dizem respeito. Também o ministro da Justiça sublinhou que os juízes não são eleitos pelo povo: “Nós vamos às urnas, votamos e muitas vezes pessoas que não elegemos decidem por nós”, afirmou Yariv Levin, em janeiro.

Outras alterações da proposta de reforma estão relacionadas com a aprovação das leis. Por um lado, a reforma propõe que seja necessário um consenso de 80% do corpo de desembargadores do Supremo Tribunal para revogar uma lei. Por outro, é criada uma cláusula de substituição que permitiria a uma maioria simples do Knesset a anulação de decisões do Supremo Tribunal sobre revogação ou modificações de lei.

Nesta reforma é ainda modificado o processo para declarar o primeiro-ministro como incapaz para manter o cargo. Passam a ser apenas consideradas como válidas razões de incapacidade física e mental, sendo necessário que o primeiro-ministro ou dois terços do Parlamento votem esta declaração.

Críticos dizem que nova reforma vai beneficiar o Governo

Os críticos do regime consideram que estas medidas vão beneficiar o Governo de Nethanyahu. Uma das leis que poderá ter um interesse especial para Benjamin Nethanyahu é a alteração dos critérios para considerar o primeiro-ministro como inapto. Em causa está o processo judicial por corrupção de que Nethanyahu é alvo – que inclui acusações de fraude, suborno e quebra de confiança.

O processo judicial está a decorrer nos tribunais e, para poder assumir o cargo de primeiro-ministro, Nethanyahu teve de assinar uma declaração de conflito de interesses, que afirmava que este não poderia ser envolvido na criação de políticas no âmbito de uma revisão judicial. Críticos que consideram que o primeiro-ministro violou esta declaração de conflito de interesses avançaram com uma petição, apelando ao Supremo Tribunal que o declare como inapto e o retire do cargo.

Outra norma que poderá beneficiar o primeiro-ministro é a escolha os juízes do Supremo Tribunal. Os críticos desta reforma afirmam que os apoiantes de Nethanyahu vão escolher os magistrados que decidem a favor do primeiro-ministro, o que pode comprometer o processo judicial em curso e não só.

No passado, Benjamin Nethanyahu manifestou um forte apoio à independência judiciária. No entanto, garante não ter mudado de opinião: “Não mudei a minha visão. Eu penso que precisamos de um sistema judicial forte e independente. Mas um sistema judicial independente não significa um sistema judicial descontrolado, que é o que está a acontecer aqui nos últimos 25 anos”, disse à CNN.

Pressão interna e externa para acabar com a reforma

A reforma judicial tem sido alvo de críticas de todos os setores – nacionais e internacionais. Nas ruas, a população tem vindo a manifestar-se nos últimos meses contra o conjunto de leis propostas pelo Governo. Também no setor económico, várias empresas ameaçam sair do país se estas reforma for para a frente. As maiores organizações sindicais convocaram também uma greve geral, levando ao encerramento dos portos e dos aeroportos.

No setor militar, vários chefes da Mossad – os serviços secretos do Estado de Israel – já se manifestaram publicamente contra a reforma judicial. Consideram que estas leis podem constituir um problema de segurança do país, uma vez que centenas de reservistas garantem não responder à chamada. Consideram que, com esta reforma, Israel irá deixar de ser uma democracia plena.

Mesmo no estrangeiro, Nethanyahu tem recebido um feedback crítico sobre esta reforma. Vários líderes internacionais, que se reuniram com o primeiro-ministro israelita nos últimos dias, aconselharam-no a parar com este processo. O secretário da Defensa norte-americano, Lloyd Austin, esteve em Israel nos últimos dias para discutir com Nethanyahu a democracia do país.

Segundo uma sondagem realizada em fevereiro pelo Instituto Israelita da Democracia, esta reforma é apoiada apenas por uma minoria da população, avança a CNN: 72% defendem um compromisso entre a proposta e o sistema anterior; 66% acreditam que o Supremo Tribunal deveria ter poder para recusar as leis; e 63% querem que o sistema de nomeação de juízes se mantenha como está.

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