Em entrevista à SIC Notícias, o virologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia Paulo Paixão esclarece quais são as principais diferenças entre gripe e constipação, identifica quando é que existe a possibilidade de surgirem complicações e elucida sobre o tratamento mais adequado para as duas situações.
As diferenças começam logo na definição. Uma constipação é uma infeção das vias respiratórias superiores provocada por um vírus e, geralmente, é ligeira. A gripe é uma doença aguda viral que afeta especialmente as vias respiratórias e costuma ter um "quadro um pouco mais grave".
Sintomas mais comuns
Os sintomas da constipação manifestam-se nas vias respiratórias superiores: nariz entupido, espirros, olhos húmidos, irritação da garganta e dor de cabeça. Os sinais surgem de forma gradual, enquanto que na gripe o início é súbito.
As gripes costumam ter um "quadro um pouco mais grave e característico", as constipações provocam apenas "sinais respiratórios altos", de acordo com Paulo Paixão. O virologista acrescenta que as pessoas com gripe terão esses sintomas e ainda "sinais sistémicos", que se podem complicar.
No adulto, a gripe manifesta-se, numa fase inicial, com mal-estar, febre alta, dores musculares e articulares, dores de cabeça e tosse seca. Pode também ocorrer inflamação dos olhos.
Nas crianças, os sintomas dependem da idade. Nos bebés, a febre e prostração são as manifestações mais comuns. Os sintomas gastrintestinais (náuseas, vómitos, diarreia) e respiratórios (laringite, bronquiolite) são frequentes. A otite pode ser uma complicação frequente no grupo etário até aos 3 anos. Em crianças mais velhas os sintomas são semelhantes aos do adulto.
Vírus
O presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia lembra ainda que tanto a gripe como a constipação são causadas por vírus respiratórios, que se multiplicam nas vias aéreas superiores, como o nariz e a garganta, causando infeções.
"A gripe, por definição, é causada pelo vírus da gripe, o "influenza". Já os agentes da constipação são vários vírus".
Em termos médicos, a constipação é uma infeção respiratória, que envolve uma série de vírus, por isso, de acordo com o médico, não há um padrão tão comum".
Transmissão
A transmissão da constipação ocorre de pessoa para pessoa, através do contacto com as secreções respiratórias do indivíduo infetado. Basta que este tussa, espirre ou que fale muito perto de alguém.
O vírus da gripe é transmitido através de partículas de saliva de uma pessoa infetada, expelidas sobretudo através da tosse e dos espirros, mas também por contacto direto com partes do corpo ou superfícies contaminadas, por exemplo, através das mãos.
"Normalmente quando estamos a um ou dois metros das pessoas, através da fala, tosse, até aerossóis ou contacto com as mãos", exemplifica o médico Paulo Paixão.
Dois dias antes de os sintomas surgirem ou até sete dias depois está no período de incubação da doença, o que significa que pode transmiti-la.
Tratamento
Paulo Paixão diz que não há grande diferença na cura. No entanto, esclarece:
"No caso da gripe, em quadros mais graves ou que podem evoluir, temos antivirais. O resto são tratamentos sintomáticos".
A gripe é, habitualmente, uma doença de curta duração, três a quatro dias, com sintomas de intensidade ligeira ou moderada, e recuperação completa em uma ou duas semanas.
"Se a constipação não dá dores no corpo e não der febre, não vai tomar, por exemplo, Benuron, que baixa a febre", recomenda o médico.
Prevenção
Evitar o contacto com pessoas com a doença e lavar frequentemente as mãos ajuda a diminuir a probabilidade de contágio.
A prevenção para a gripe pode ainda ser feita através da vacinação anual.
Quem deve ser vacinado contra a gripe?
De acordo com a Direção-Geral de Saúde, devem ser vacinadas as pessoas que têm maior risco de sofrer complicações:
- com 65 e mais anos
- com doenças crónicas dos pulmões, do coração, dos rins ou do fígado
- com diabetes, em tratamento, ou com outras doenças que diminuam a resistência às infeções
- grávidas
Para a constipação ainda não há vacina. Neste caso, Paulo Paixão lembra que há apenas as medidas comuns, "muito idênticas às da prevenção da covid". A etiqueta respiratória, protegendo o espirro com um lenço ou o antebraço e a lavagem das mãos.
"Não devemos aplicar medidas muito rigorosas por causa das constipações. São chatas, mas não são perigosas. Não podemos parar a sociedade, como acontece com a covid-19", defende Paulo Paixão.
Grupos de risco
Questionado sobre se há pessoas mais propícias a apanhar gripe ou a ficarem constipadas, o virologista admite que sim, como o caso das pessoas mais debilitadas.
"As complicações podem, sobretudo, ser mais graves para os grupos de risco, como idosos e transplantados", afirma, acrescentando: "pode ser extremamente perigoso".
Nas pessoas idosas e nos doentes crónicos a recuperação pode ser mais longa e o risco de complicações é maior, nomeadamente, pneumonia ou problemas com a doença de base: asma, diabetes, doença cardíaca, pulmonar ou renal.
Covid-19, gripes e constipações
Para as pessoas vacinadas contra a covid-19, os sintomas em caso de infeção com o coronavírus deverão ser mais ligeiros. O virologista avisa que se podem confundir com infeções respiratórias.
"A regra é: com sinais de infeção respiratória, a primeira coisa que devemos fazer em pandemia é testar a covid. Se for, como sabemos, temos de ficar em isolamento. Se não for covid-19 e o quadro for ligeiro, não vamos isolar as pessoas".
Paulo Paixão recorre a um exemplo real para explicar quais devem ser os procedimentos: perante uma "valente constipação, a preocupação foi ver se tinha covid. Com teste negativo, não se justificou fazer mais nada".
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O virologista avisa ainda que este inverno haverá mais confusão em relação aos sintomas de gripes, constipações e covid-19:
"Houve um abrandamento de medidas e as pessoas passaram a ter uma atitude mais relaxada. Isso está a fazer com que apareçam outros vírus respiratórios e até a própria gripe, que não existiu no ano passado, desapareceu completamente. Eu há dois anos que não tinha uma constipação".
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