Mais de 6.500 mortes. Os números foram divulgados pelo The Guardian em fevereiro de 2021. Trabalhadores migrantes, oriundos da Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal e Sri Lanka. 6.500 pessoas que perderam a vida desde 2010, ano de atribuição do Campeonato do Mundo de 2022 ao Qatar.
Os números são alarmantes, mas, segundo o jornal britânico, serão muito mais elevados, já que a recolha destes dados não inclui países de onde migram ainda mais trabalhadores para o Qatar, como são os casos do Quénia ou das Filipinas.
As vítimas de um modelo megalómano desenhado pelas autoridades cataris, que incluiu a construção de sete novos estádios e centenas de obras públicas, entre as quais um novo aeroporto, novas estradas, novos sistemas de transportes públicos, hotéis e até uma nova cidade.
Amnistia Internacional exige investigação
Em outubro deste ano, a Amnistia Internacional (AI) exigiu uma investigação às condições em que estas mortes ocorreram, bem como a criação de um fundo para indemnizações.
Num comunicado a nível global, a AI reconhece que o Qatar adotou alterações à legislação laboral, no âmbito dos compromissos exigidos para a realização do Mundial, mas considera que as mudanças são insuficientes e estão por concluir.
Os migrantes, oriundos sobretudo de países asiáticos, têm facilidade em entrar no Qatar devido à falta de mão de obra, num país com menos de três milhões de habitantes.
"A vida tornou-se um espelho partido, chorei muitas vezes"
No documento lançado a 20 de outubro, a Amnistia faz menção a vários casos concretos, através de relatos de trabalhadores e familiares.
Um desses trabalhadores, Joshua [nome fictício], que desempenhou funções como segurança, deslocou-se do Quénia para trabalhar no Qatar, de onde saiu recentemente antes de terminar o contrato, devido às condições de trabalho. Contou à Amnistia que era insuportável continuar a trabalhar numa empresa onde esteve durante quatro meses.
Em todo aquele período, viveu “sobrecarregado de trabalho”, apenas teve dois dias de folga e os atrasos no pagamento dos salários eram constantes. “A empresa reteve o meu visto, de tal forma que não posso voltar (para o Qatar) se conseguir emprego noutra firma”, explicou.
A Amnistia sublinha que a morte de milhares de migrantes na última década continua por explicar, avançando que pelo menos umas centenas se deveram ao trabalho sob intenso calor.
Bhumisara [nome fictício] é uma das viúvas cuja morte do marido continua por explicar. “A vida tornou-se um espelho partido, chorei muitas vezes. É muito difícil estar sozinha”, confessou à organização de defesa dos direitos humanos, que usa o testemunho para alertar para a situação de pobreza de muitas famílias na ausência de um apoio.
O que diz o Governo do Qatar
Em resposta à investigação do The Guardian, o Governo do Qatar considera que o número de mortes é “proporcional ao tamanho da força de trabalho migrante” no país, um número que “inclui trabalhadores de colarinho branco que morreram de causas naturais após viverem no Qatar durante vários anos”.
“A taxa de mortalidade entre estas comunidades está dentro do expectável, tendo em conta a dimensão e a demografia da população. Contudo, cada vida perdida é uma tragédia e não poupamos esforços em tentar prevenir cada morte no nosso país”, refere o Governo qatari, citado pelo The Guardian.
Segundo a mesma fonte, todos os cidadãos, locais e estrangeiros, têm acesso a “cuidados de saúde de elevada qualidade, de forma gratuita”. O Governo qatari salienta ainda que foi registada uma ligeira redução no número de mortes de trabalhadores estrangeiros durante a última década devido às “reformas de saúde e segurança” aplicadas no sistema laboral do país.
A fase final do Mundial vai ser disputada entre 20 de novembro a 18 de dezembro por 32 seleções. Portugal integra o grupo H, com Uruguai, Coreia do Sul e Gana.