Inteligência Artificial

E se os robôs se tornarem conscientes? "Seria o equivalente à escravatura”

Estudos mostram benefícios da IA aplicada à robótica, mas ainda há uma fronteira bem vincada entre consciência e inteligência.

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Luís Manso

Carolina Rico

Pode ser uma estrela na Web Summit, uma das maiores cimeiras tecnológicas do mundo, mas, no fim do dia, o robô humanoide fica arrumado no bengaleiro. Ainda não é difícil distinguir humano e máquina, mas as linhas que nos separam tenderão a dissipar-se no futuro.

“A IA não está limitada a um computador e pode saltar para o nosso mundo físico através de robôs e interagir com pessoas. (...) É um dos grandes desafios que a IA e a robótica têm e que pode vir a ter um impacto social enorme”, defende Ana Paiva, professora do Instituto Superior Técnico.

A especialista em robótica social explica que mesmo que a tecnologia seja semelhante, pode haver vantagens em trocar computadores por robôs humanoides para grupos específicos, como idosos e crianças.

“Porque o robô tem uma presença física, porque pode interagir de uma forma mais natural. Não é um ecrã, é algo que existe fisicamente. E isso faz uma diferença muito grande.”

No caso de uma investigação com crianças na Suíça, um grupo de alunos de seis anos “aprendeu melhor” a escrever depois de ensinar um robô a fazê-lo.

E num estudo feito em lares da Santa Casa da Misericórdia, os idosos pediram ajuda aos robôs para tarefas simples, como lembrar de tomar a medicação ou ir às compras, mas também para atividades mais humanas, como “fazer companhia” ou cantar.

Os “robôs domésticos” podem ser especialmente úteis para pessoas com problemas de mobilidade, para “ir buscar objetos”, por exemplo, propõe Pedro Lima, professor de Sistemas e Robótica. Também podem patrulhar a casa e informar se houve alguma intrusão.

Em todos estes casos, são robôs muito específicos, com capacidades muito limitadas. O facto de terem inteligência artificial não garante que passariam o teste de Turing.

“Uma das coisas que limita o robô de vir a ter consciência tem a ver com a própria memória, tem a ver com o próprio corpo. O corpo é diferente, as sensações que tem do ambiente são limitadas. Portanto, ainda estamos longe de ter a consciência que os humanos têm nestas máquinas”, diz Ana Paiva.

Consciência e inteligência são coisas distintas. Se essa linha desaparecesse, todas as regras para a inteligência artificial teriam de mudar, defende o investigador do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa Paulo Castro, autor de uma tese sobre IA.

“Se essa entidade tiver consciência, senciência, se tiver algum tipo de experiência interna própria, então torna-se um sujeito de proteção ética”, e por isso mesmo, não é legítimo criar robôs para servir os humanos, defende. "Vou instrumentalizar essa inteligência artificial? Se o fizer é equivalente a instrumentalizar qualquer outro ser na natureza a que eu possa atribuir, por suspeita disso, consciência. Portanto, no caso de um humano isso seria o equivalente à escravatura.”

E mesmo no que toca à aparência física, não faz sentido que um robô seja demasiado parecido com um humano, defende a investigadora Ana Paiva. “Não quero enganar as pessoas. Um robô é um robô. As pessoas têm de saber que estão a interagir com um robô”.

“Se começar a tornar-se mais parecido com humanos, as pessoas vão aceitando cada vez menos”, acrescenta Pedro Lima. É um fenómeno conhecido por ‘vale da estranheza’.


Veja na íntegra os dois episódios da Grande Reportagem: “Penso, IA existe” e “Existe, IA pensa!”

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