Sempre foi assim: a inovação tecnológica ditou o fim de muitos empregos, mas criou muitos outros. Não há motivos para acreditar que não acontecerá o mesmo no futuro, com o crescimento da inteligência artificial (IA), acredita o investigador Pedro Domingos, autor do livro “A Revolução do Algoritmo-Mestre”, recomendado por Bill Gates.
“A AI é apenas a próxima vaga da automatização”, defende o professor emérito na Universidade de Washington. “Em todas as vagas anteriores, começando com a revolução industrial, as pessoas estavam aterrorizadas com a ideia de que a nova tecnologia ia destruir os empregos todos. E o que se verificou é que hoje há muitos mais empregos do que havia antes. Precisamente, porque quando nós temos estas ferramentas depois podemos fazer uma série de coisas que não fazíamos antes.”
O desenvolvimento da inteligência artificial terá consequências para 40% dos empregos em todo o mundo, sobretudo no caso de profissões com qualificação elevada, estima o Fundo Monetário Internacional (FMI), num relatório divulgado no início deste ano. Até 2025, poderão desaparecer 85 milhões de postos de trabalho, mas por outro lado deverão surgir 97 milhões de novas funções em diferentes tarefas.
Tal como qualquer máquina, a IA não representa um concorrente, mas sim um aliado, considera Pedro Domingos. “É um copiloto, digamos assim. Nós somos o piloto do avião, portanto o controlo, em última análise, vai continuar sempre a pertencer-nos, mas depois há certas subtarefas que nós damos ao copiloto.”
“Sim, não vai haver emprego para toda a gente, mas isso vai ser uma situação natural”, defende Arlindo Oliveira, coordenador da Estratégia Nacional de Inteligência Artificial. “Ou talvez as pessoas não trabalhem cinco dias por semana e trabalhem só dois dias por semana. Acho que vai haver uma evolução progressiva. Agora, não é de prever isso num futuro muito a curto prazo”.
O também presidente do Instituto de Engenharia de Sistemas e professor do Instituto Superior Técnico lembra que há ferramentas que já usamos todos os dias, como os assistentes por voz ou o Google Maps, que já têm alguns componentes de AI. O expectável é que se tornem mais marcadas no futuro previsível, com novas formas de interação.
Poderá passar a ser possível, “em língua natural, explicar a um computador o que é que queremos”, por exemplo, pedindo diretamente “desenha-me isto, ou faz-me um texto, ou descobre-me onde é que devo ir passar as férias no verão”, prevê Arlindo Oliveira.
“Um avatar, uma espécie de assistente pessoal, um alter-ego na internet poderá fazer algumas coisas por nós. (...) De alguma maneira já acontece, de uma maneira muito limitada, mas penso que vai acontecer de uma maneira mais profunda, à medida que esses avatares, esses agentes, se tornarem mais inteligentes, mais próximos de nós e conseguirem perceber melhor as nossas intenções, os nossos objetivos.”
Daniela Braga, presidente executiva da Defined.ai, também acredita que acredita que na linha do horizonte desta revolução tecnológica encontra-se um duplo: cada pessoa poderá ter um gémeo digital que assuma parte do trabalho do utilizador.
“Atender pessoas, por exemplo, dar uma palestra… No meu caso, pode dar palestras em sítios que são mais remotos, ou em línguas que eu não falo. Esse gémeo digital vai permitir duplicar-nos nesse tipo de tarefas simples, deixando-nos mais tempo para investir naquilo que é importante, que é a relação com pessoas e com assuntos mais complexos.”
A viver nos Estados Unidos, Daniela Braga faz parte da equipa de especialistas que preparou um documento sobre IA encomendado pelo Presidente Joe Biden. É também criadora de Diana, uma assistente de voz programada para falar em inglês e em português que recebeu mais de 34 milhões de euros da bazuca europeia.
“Oitenta por cento dos problemas, de atendimento a clientes, público ou privado, são sempre os mesmos casos, e esses 80% são aqueles que são automatizáveis. Não se desumaniza a interação com o serviço, pelo contrário, dá-se mais personalização, dá-se mais eficiência nas respostas simples e personalização e tempo de atendimento às respostas complexas.”
Mais do que colocar empregos em risco, a expansão da IA pode trazer uma espécie de esvaziamento sociológico do trabalho, aponta o investigador do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa Paulo Castro.
“O vazio existencial que é eu não ter uma atividade. Para o que sirvo? O que é que eu vou fazer? Onde é que eu posso ser útil à sociedade? Há um conjunto de valores que hoje estão muito instituídos, culturalmente, que a seguir, se vão esvaziar.”
O valor de mercado da IA em todo o mundo rondava os 125 mil milhões de euros em 2022. No ano seguinte atingiu os 180 mil milhões e tudo indica que continue a crescer na ordem dos 40% por ano até 2030.
Veja na íntegra os dois episódios da Grande Reportagem: “Penso, IA existe” e “Existe, IA pensa!”