A viagem de Évora até Lavre, município de Montemor-o-Novo, atravessa o verde que no final do inverno começa a pintar a paisagem deste Alentejo mais a norte. Seguimos até uma das herdades que estão a ser acompanhadas por José Marques da Silva, empresário e professor Catedrático, na Universidade de Évora. Segue ao volante rumo a um destino no qual se estende parte daquilo que poderá ser a agricultura do futuro. Com recurso às novas a gestão de projetos de carbono e de biodiversidade. Da soma destas duas componentes resulta algo que pode parecer inédito, mas que, certamente, irá plantar sementes de um amanhã feito de inteligência artificial.
Passamos por Lavre e chegamos à herdade, a escassos quilómetros da pequena vila. Deixamos para trás o portão em ferro rude para seguir caminho, entre sulcos de uma terra fértil em natureza quase em estado puro. Antes da viagem, tinha já deixado uma ideia clara do que íamos encontrar: “Se até agora os empresários agrícolas estavam comprometidos, societariamente, a produzir alimentos, agora eu também acredito que eles vão ter de se saber produzir natureza.”
Ao início da tarde, ainda com alguma névoa a ameaçar chuva amena, ficamos junto a uma pequena albufeira. "Estas são as novas árvores. Em cada mil sementes que cai, há uma que sobrevive, em média. Mas são as árvores que serão de futuro. Portanto, aqui a ideia é que a árvore vá fazer o serviço de C02 e ao mesmo tempo o serviço de biodiversidade em que está envolvido". Explicações dadas por José Marques da Silva, agachado, enquanto pega numa frágil linha verde de vida vegetal que promete um dia tornar-se num tronco de árvore.
Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Rural, na Universidade de Évora, criou em 2015 a Agroinsider, uma empresa focada no futuro da agricultura. Agarrou na teoria académica e plantou-a neste projeto que leva quase uma década, que tem clientes em Portugal e Espanha, que gere milhares de hectares. A inteligência artificial tem aqui um papel determinante, de forma a melhorar a eficiência, a produtividade e também a reduzir o impacto ambiental.
E afinal, o que é que sai daqui? "Quando produz alimentos, (o agricultor) está a fazer um serviço societário, que é importante para a sociedade, mas ao fazer esses alimentos está a emitir emissões e o que interessa ter é uma outra componente da própria propriedade que ele possa compensar as emissões que tem", diz o docente e empresário.
Reforça ainda esta ideia, de uma consciência acrescida quanto aos desafios do futuro: "O agricultor vai ter de produzir alimentos porque é importante para a sociedade, mas vai ter de pensar na compensação das suas pegadas ao produzir natureza, nomeadamente a floresta, os arbustos, a água na paisagem, para trazer um valor acrescido para resolver os dois problemas que nós temos".
A empresa agarra assim em projetos agroflorestais que pretendem reduzir as emissões de carbono ao mesmo tempo que cuidam da biodiversidade. Entram, desta forma, nos diferentes mercados de carbono, criados no final da década de 90 do século passado, depois de assinado o Protocolo de Quioto, para reduzir ao máximo o efeito das alterações climáticas.
Na prática, se por um lado ao produzirem alimentos, inevitavelmente, estão a poluir, por outro, ao plantarem novas árvores, estão a reduzir a pegada ecológica. Nestes mercados, espalhados pelo Mundo, e já com porta aberta em Portugal, por cada tonelada métrica de CO2 que é removida da atmosfera é atribuído um crédito que pode ser usado para compensar eventuais emissões.
A aplicação que é usada recorre a satélites da Agência Espacial Europeia. A inteligência artificial entra nos processos automáticos de vigilância e no registo de tudo o que se passa no terreno. "Usamos os satélites e os algoritmos para estar em vigilância constante porque se, realmente, alguma coisa temos de atuar rapidamente do ponto de vista da certificação", refere.
E como é que isso é feito? Se surgir um sinal de alarme, existe um técnico que vai de imediato ao local. "Para verificar se o proprietário fez, por exemplo, um corta-matos e aí não mexeu o solo. Ou se mexeu mesmo o solo e vai contra o compromisso que tinha tido de não fazer a mobilização e para guardar o C02 para não ir parar à atmosfera", refere. "Automaticamente são processadas as imagens, são calculados os índices, depois dos índices vão-se calcular as anomalias, e depois verificar se há diferenças ou não há diferenças, se as anomalias são de ânimo leve, ou de grau elevado", acrescenta.
Se um cliente, um agricultor ou produtor, ao longo deste processo, no equilíbrio entre o que polui e o que retira de poluição da atmosfera, conseguir amealhar créditos, pode ir aos mercados de carbono e vender estes mesmos créditos. São, neste caso, negociados com outras empresas que tê, igualmente, de honrar os compromissos assumidos ao nível de proteção do ambiente. Existe aqui, também, um lado de negócio que pode e está a ser potenciado.
A agricultura é uma das áreas que mais pode beneficiar com as aplicações de IA. E não se trata apenas de se perceber que químico se deve usar, qual a melhor altura para se plantar. É muito mais do que tudo isso.
E o que nos reserva, depois de virarmos a curva do tempo, mais adiante, na linha do horizonte onde se encontra agricultura com base em inteligência artificial?
"Eu acredito que no futuro, e já começam a dar passos nesse sentido, serão pequenos robôs que têm algoritmos que aprendem, no fundo são os nossos ajudantes de campo que poderemos ter, eu diria do ponto de vista de um determinado terreno, diferentes tipos de cultura, ao mesmo tempo, e teremos ajudantes robóticos que nos vão ajudar a colher as árvores, a fruta das árvores, não precisamos de ter as máquinas colhedoras", diz José Marques da Silva.
Veja na íntegra os dois episódios da Grande Reportagem: “Penso, IA existe” e “Existe, IA pensa!”