Confrontos no Irão

Rostos das execuções "em segredo" e da espera no corredor da morte no Irão

A morte de Mahsa Amini deu início a uma onda de protestos que está a ser reprimida com recurso à violência, tortura e morte. Só entre 8 de dezembro de 2022 e 7 de janeiro deste ano, quatro jovens foram executados devido à alegada participação nas manifestações e/ou por supostas agressões contra membros da autoridade. Mas são muitos mais os que estão na lista de espera… para o corredor da morte.

Emrah Gurel/AP

Ana Lemos

16 de setembro de 2022. Neste dia foi anunciada ao mundo a morte de Mahsa Amini, uma jovem curda iraniana de 22 anos, que morreu após ter sido detida pela chamada polícia da moralidade, responsável pelo cumprimento do rígido código de vestuário feminino - entretanto, extinta. Desde esse dia, o Irão tornou-se palco de protestos, já considerados dos mais sérios desafios ao regime teocrata do país.

Para trás estão quase quatro meses de protestos mas também de violência. Os que ousam sair à rua são fortemente reprimidos pelas autoridades iranianas. O balanço mais recente divulgado pela organização não-governamental (ONG) Iran Human Rights indica que já morreram mais de 500 pessoas e, pelo menos, 15 mil foram detidas, e destas mais de 20 foram condenadas à morte.

Há penas foram mesmo levadas a cabo. Só entre 8 de dezembro e o passado dia 7 deste mês, quatro jovens foram executados por associação aos movimentos de protesto no país e por acusações não provadas judicialmente.

No início deste ano, para isso mesmo alertava o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, ao referir que os processos criminais e as penas de morte no país estavam a ser “engendradas” pelo governo iraniano para punir indivíduos que participam nos protestos e para provocar medo na população, pondo fim à dissidência, numa clara violação do direito internacional dos direitos humanos.

Se a jovem Amini, de 22 anos, é um desses infelizes exemplos, o mesmo se poderá dizer de Mohsen Shekari, Majidreza Rahnavard, Mohammad Mehdi Karami e Sayed Mohammad Hosseini. Os nomes talvez não lhe sejam tão familiares mas cada um deles foi executado sem julgamento prévio e sem que a família soubesse.

“Todos foram executados em segredo, sem que as suas famílias fossem informadas”, revela o comissário ONU.

Um relatório da Amnistia Internacional de novembro de 2022 já alertava para procedimentos injustificáveis e para a violação de vários direitos, incluindo acesso a advogados e a serem protegidos de atos de tortura. Mais. “Os julgamentos daqueles que enfrentam acusações relacionadas com os protestos são uma farsa total”, acusa Tara Sepehri Far, da Human Rights Watch.

Mohsen Shekari, 23 anos, executado a 8 de dezembro

Foi acusado de agredir um membro da milícia paramilitar Basij e de bloquear a circulação do tráfego durante uma manifestação.

Trabalhava num café e tinha um gosto especial por música. Com frequência publicava nas redes sociais vídeos a cantar. Num vídeo partilhado após a sua morte, Shekari canta: "Agora só tenho um desejo, ver-te uma última vez. És a minha estrela solitária”.

De acordo com o site 1500tasvir, opositor ao regime, a família aguardava o início de um processo de apelação quando soube que tinha sido executado. O mesmo site partilhou um vídeo da mãe em choque ao receber a notícia.

Majidreza Rahnavard, 23 anos, executado a 12 de dezembro

Também 23 dias após a detenção, foi executado. Estava acusado de ter espancado até à morte dois membros das forças de segurança e de ter ferido outros quatro.

Antes do julgamento, foram partilhados vídeos nos quais terá se suspeita ter “forçado a fazer uma confissão”. O braço esquerdo de Rahnavard está engessado, dando a entender “que terá sido torturado”, admite a Amnistia Internacional.

Poucas horas depois da execução, um media local divulgou imagens de um jovem, com as mãos amarradas atrás das costas, pendurado num cabo preso a um guindaste numa praça da Mashhad, no nordeste do país.

Mohammad Mehdi Karami, 22 anos, executado a 7 de janeiro

Campeão nacional de karaté foi executado em Karaj. Estava acusado de ter matado um membro da Basij durante um protesto na cidade, que fica a cerca de uma hora de Teerão. Um mês após a detenção foi condenado à morte.

Filho de um vendedor de rua, que investiu as suas economias para ajudar o filho a realizar os sonhos desportivos. Karami era campeão nacional de karaté e treinava crianças.

Aliás, uma foto que circula nas redes sociais mostra que Karami tinha tatuados no braço os cinco anéis olímpicos. Esse era o grande objetivo: competir nos Jogos Olímpicos e a tatuagem servia como inspiração para chegar lá.

A família deslocou-se para porta da prisão para poder vê-lo uma última vez, mas as autoridades não permitiram.

Sayed Mohammad Hosseini, 39 anos, executado a 7 de janeiro

No dia em que Karami foi executado, um avicultor também perdeu a vida. Há pouca informação sobre Sayed Mohammad Hosseini, mas sabe-se que estava no local errado à hora errado.

Estaria a caminho do cemitério para visitar a campa dos pais, quando foi apanhado por um protesto que resultou na morte de um membro da Basij. Sayed levava consigo uma faca que, diz o seu advogado, “era para cortar as ervas em redor da campa dos pais”. Mas de pouco valeu.

No dia 4 de janeiro entregou o processo de apelação às autoridades que lhe pediram para voltar no dia 7 do mesmo mês para fazer o registo do pedido. Mas o seu cliente foi executado antes de qualquer registo ser feito.

O advogado garante que Sayed foi torturado: “Pontapearam-no na cabeça até ficar inconsciente. Foi agredido com uma barra de ferro e eletrocutado em diferentes partes do corpo”.

Mais de 20 pessoas esperam no corredor da morte

Mas não só com estes rostos se conta a história recente do Irão. A lista de sentenciados à morte aumenta diariamente. Há, neste momento, sete homens à espera no corredor da morte.

Os nomes de Mohammad Boroughani, de 19 anos; Mohammad Ghobadlou, 22 anos; Hamid Ghare-Hassanlou, 53 anos; Hossein Mohammadi, 26 anos; Sahand Nourmohammad-Zadeh, 26 anos; Saman Seydi, 24 anos; e, Manouchehr Mehman Navaz, 45 anos, estão desde já condenados a ser conhecidos pela sua partida silenciosa e injusta deste mundo.

A Amnistia Internacional assegura ainda que há várias pessoas, sobretudo homens, com paradeiro desconhecido e que se suspeita que façam parte da mesma lista.

É o caso do treinador e campeão de Karaté, Saleh Mirhashemi Baltaghi, de 36 anos, e não só: "Abolfazl Mehri, Hossein Hajilou, Saeed Shirazi, Hajar Hamidi, Akbar Ghafari, Mohsen Rezazadeh Gharagholou, Toomaj Salehi, Amir Nasr Azadani, Ebrahim Rigi, Farzad and Farhad Tahazadeh, Karwan Shahiparvaneh, Reza Eslamdoost, e Shahram Marouf”.

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