Em comunicado, Azevedo Pereira refere que o Fisco "propôs ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a publicação dos dados relativos a transferências para offshores" por três vezes e que "em nenhum dos casos, a correspondente autorização foi concedida".
O antigo diretor do Fisco afirma ainda que, caso fosse intenção de Paulo Núncio, o ex-governante "teria tido a possibilidade de (...) anular o suposto “erro de perceção”, mediante a emissão de uma indicação (...) de natureza contrária aquela que na altura foi transmitida".
Estas afirmações desmentem Paulo Núncio que, em declarações ao Diário de Notícias, defendera que "o despacho de visto não é uma oposição à respetiva divulgação, uma vez que a AT já estava obrigada a publicar a estatística".
A polémica sobre as transferências no valor de 10 mil milhões de euros para contas offshore vai obrigar o antigo e o atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a irem ao Parlamento, já na próxima quarta-feira, para darem explicações.
Leia o comunicado na íntegra:
"Face a informações surgidas na imprensa relativas a uma pretensa responsabilidade da AT, em geral, e deste seu antigo Diretor-Geral, em particular, na ausência de divulgação de estatísticas relativas a transferências para offshores, cumpre-me afirmar o seguinte:
1. Em tempo, a AT propôs ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) a publicação dos dados relativos a transferências para offshores, nos termos previstos na lei;
2. Tal proposta de publicação foi solicitada por duas vezes (na prática, como veremos, três vezes), através do envio de processos contendo, no primeiro caso, a informação relativa 2010 (reportada pelas instituições financeiras em meados de 2011) e, no segundo, a informação relativa a 2011 (reportada pelas instituições financeiras em meados de 2012).
3. Em nenhum dos casos, a correspondente autorização foi concedida. No primeiro caso, o despacho do SEAF solicitou uma alteração na estrutura da informação a divulgar. Tal alteração foi levada a cabo tendo a proposta de publicação sido apresentado de novo à Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais. Tanto quanto me é dado lembrar – encontramo-nos neste momento a mais de cinco anos de distância destes factos – tal solicitação nunca terá merecido resposta da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais.
4. No segundo caso, a informação em causa foi preparada de raiz para acomodar a solicitação efetuada pelo SEAF na resposta ao primeiro pedido de publicação, tendo sido remetida à Secretaria de Estado no início de Novembro de 2012. No entanto, o SEAF devolveu o processo à AT – em meados de Junho de 2014 – apenas com um despacho de “Visto”. Ou seja declarou ter tomado conhecimento dos elementos que lhe foram comunicados mas não autorizou a sua divulgação, tal como lhe foi solicitado.
5. Importa notar que um despacho de “Visto”, sem qualquer decisão associada, em linguagem corrente da administração pública, quer dizer exatamente aquilo que literalmente afirma. Ou seja, a mensagem é, sumariamente, vi e tomei conhecimento daquilo que propõe, mas uma vez que não lhe estou a responder afirmativamente, não o autorizo a proceder como sugere.
6. Analisemos agora, por redução ao absurdo, a possibilidade de que a realidade não tivesse sido esta, mas sim a de que a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais sempre tivesse pretendido que a informação fosse disponibilizada e que apenas um malentendido se pudesse encontrar na origem do acontecido. Ou seja, admitamos, por um momento, a possibilidade de que a ausência de publicação das estatísticas em causa tivesse resultado de um mero “erro de perceção” do Diretor-Geral da AT, à data.
7. Neste caso, o problema seria muito fácil de resolver. Bastaria que, logo que foi detetada a ausência de publicação da lista (facto que, naturalmente, ocorreu de imediato), fosse feita uma comunicação no sentido oposto daquela que foi recebida pela AT – ou seja, no sentido de que a informação fosse publicada.
8. Naturalmente, estes erros de perceção podem demorar dias, ou, na pior das hipóteses, meses a sanar. Contudo, nunca demoram quatro anos a resolver – ficando inclusivamente sem solução ao longo de todo o período em causa e transitando para o executivo seguinte.
9. Ou seja, caso tivesse sido intenção do SEAF, da altura, disponibilizar publicamente a informação produzida, teria tido a possibilidade de, em qualquer momento, ao longo dos quatro anos seguintes (com o ex-Diretor-Geral que escreve estas linhas, ou com qualquer dos que se lhe seguiram) anular o suposto “erro de perceção”, mediante a emissão de uma indicação, formal ou informal, de natureza contrária aquela que na altura foi transmitida à AT.
José A. de Azevedo Pereira
Ex-Diretor Geral da AT
Professor Catedrático do ISEG
Universidade de Lisboa"