Um longo aplauso de dez minutos em Veneza foi o ponto de partida para a longa jornada internacional de Ainda Estou Aqui. Com a ditadura militar no Brasil como pano de fundo, o filme retrata a luta de Eunice Paiva para que a morte do marido seja reconhecida, uma vez que o corpo nunca foi encontrado.
A obra tem conquistado uma vasta lista de prémios e está agora nomeada aos Óscares em três categorias. A 97ª cerimónia dos Academy Awards vai realizar-se no próximo dia 2 de março, em Los Angeles, mas enquanto não chega fique a conhecer algumas curiosidades sobre o filme.
Inspirado numa história verídica
A história é uma adaptação homónima da obra de Marcelo Rubens Paiva, lançada em 2015 no Brasil, que chegou às livrarias portuguesas no início deste ano.
Do ponto de vista do filho, o livro revisita a história da família, narrando a trajetória da mãe, Eunice, que teve de lidar com o desaparecimento do marido – preso, torturado e assassinado por agentes da ditadura militar - as dificuldades de criar cinco filhos sozinha e as imposições do diagnóstico do Alzheimer nos últimos anos de vida.
Realizador era amigo da família
Se para parte da equipa o conhecimento da história chegou através das memórias de Marcelo, no caso do realizador, Walter Salles, a situação foi diferente. Na adolescência foi amigo de Ana Lúcia, uma das filhas do casal, tendo frequentado a casa da família.
Numa entrevista à Harper's Bazaar, recordou que os conheceu em 1969 e que passou parte da adolescência na casa que os Paiva tinham alugado no Leblon e que está no centro de Ainda Estou Aqui.
“Não havia distinção entre adultos, adolescentes, crianças… o oposto do que acontecia na minha casa. Foi lá que ouvi debates acalorados sobre a situação política durante a Ditadura (...) A casa dos Paiva, assim como o cinema, de maneira diferente, permitiu-me entender que o mundo era bem mais amplo do que eu poderia imaginar a partir da realidade da minha própria família.”
A imersão nos anos 70
Para captar a essência da década de 70 foram utilizadas diversas técnicas. Desde logo, o uso de câmaras analógicas. Uma escolha que obrigou a que a finalização do filme tivesse de ser feita fora do Brasil, uma vez que no país não existe suporte para este tipo de material.
Numa entrevista publicada no site da Associação brasileira de cinematografia, o diretor de fotografia, Adrian Tejido, explicou que todo o trabalho de pós-produção, tanto a coloração como a mixagem do som, foram feitos em França e nos Estados Unidos.
Mas mais técnicas foram usadas para captar a essência da época:
- A produção do filme optou por não usar computação gráfica. As ruas foram fechadas e dezenas de carros antigos foram utilizados.
- Os atores não usavam telemóveis durante as gravações.
A casa da família
A casa da família, localizada no Leblon, já não existe. Depois da mudança para São Paulo, foi transformada num restaurante e assim permaneceu até ser convertida num condomínio de luxo. Por isso, a produção teve de procurar um espaço que fizesse jus à original. Encontraram-na no bairro da Urca, um tradicional bairro carioca na zona sul da cidade.
O imóvel sofreu algumas obras e está, agora, transformado num novo ponto turístico na cidade.
Filme demorou sete anos a ser feito
Para que o filme fosse feito, foram precisos sete anos. Numa entrevista à CNN, o realizador explicou que não foi possível gravar durante o tempo em que Jair Bolsonaro esteve no poder (2019 - 2022).
“Também demorou sete anos porque, durante quatro anos, o país se virou para a extrema direita, e nunca teríamos tido a possibilidade de filmar durante esse período. Portanto, o filme é produto do retorno da democracia ao Brasil. O retorno do presidente Lula à Presidência e o retorno da democracia que permitiram que o filme existisse”, disse ao canal britânico.
As mudanças de visual dos protagonistas
Para interpretar os protagonistas, tanto Fernanda Torres como Selton Mello tiveram de passar por mudanças de visual. A atriz teve de emagrecer cerca de 10 quilos e bronzear o corpo visto que Eunice Paiva vivia perto da praia e tinha por hábito ir nadar.
Já o ator para interpretar Rubens Paiva precisou engordar 20 quilos para chegar o mais próximo possível à caracterização da personagem.
A mesma pessoa ou duas pessoas diferentes?
As semelhanças entre mãe e filha são inegáveis e para que há mesmo quem tenha ficado convencido que são a mesma pessoa.
Numa das entrevistas dadas para divulgar o filme, Fernanda Torres contou que houve um crítico internacional que deu os parabéns à equipa de maquilhagem pela transformação da Eunice Paiva nos últimos minutos do filme. A verdade é que quem aparece nesse momento na tela é Fernanda Montenegro.
A apreciação internacional
O filme tem conquistado a apreciação do público em redor do mundo. Em Portugal tem sido, semana após semana, um dos mais vistos no grande ecrã desde que estrou a 16 de janeiro.
Com isso, chegaram as nomeações e os prémios. O filme é o primeiro falado em português indicado ao mais importante prémio dos Óscares: o de Melhor Filme: Está também a concorrer nas categorias de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz para Fernanda Torres.
As conquistas de Fernanda Torres
É um legado passado de mãe para filha. Estávamos em 1999 quando Fernanda Montenegro se torna a primeira atriz brasileira a ser nomeada a um Globo de Ouro. O seu desempenho no filme Central do Brasil, realizado por Walter Salles, leva-a para as premiações internacionais, mas a atriz acaba por não trazer o prémio para casa.
Em 2025, a filha, Fernanda Torres, alcança o mesmo feito sendo nomeada na mesma categoria, com um filme dirigido pelo mesmo realizador. A história repete-se, mas não com o mesmo desfecho.
“Quero dedicar este prémio à minha mãe. Vocês não têm ideia, ela estava aqui há 25 anos. Isto é uma prova de que a arte pode permanecer na vida das pessoas, mesmo nos momentos difíceis”, disse Fernanda Torres no discurso de vitória.
Depois dessa vitória chega a nomeação aos Óscares. Também aqui a história repetiu-se. Falta saber se Fernanda Torres fica só pela nomeação, como a mãe, ou se mais uma vez consegue alcançar um marco história e tornar-se na primeira atriz brasileira a ganhar um Óscar.
Fernanda Torres não foi a primeira escolha para o papel de Eunice Paiva
E a verdade é que tudo isto poderia não estar a acontecer se Mariana Lima tivesse aceite o papel de Eunice Paiva. A atriz, também brasileira, de 51 anos, foi a primeira escolha de Walter Salles para protagonizar Ainda Estou Aqui, mas acabou por recusar o papel.
Ao jornal O Globo, Mariana Lima chegou a dizer que leu o roteiro, mas que sentiu que naquele momento não conseguia entregar o que o papel exigia.