Eis uma memória exuberante: 1973 foi um ano riquíssimo para a produção de Hollywood, com sucessos que foram do género de terror, com “O Exorcista”, do recentemente falecido William Friedkin, a “American Graffiti”, memória juvenil de George Lucas numa altura em que “A Guerra das Estrelas”, pura e simplesmente, não era sequer um projecto em marcha.
Menos lembrado é um dos títulos resultante da colaboração de dois talentos invulgares: o realizador Sidney Lumet (1924-2011) e o actor Al Pacino (n. 1940) — o filme chama-se “Serpico” e pode ser visto ou revisto em streaming.
Estamos perante uma história baseada em factos verídicos. No seu centro está um polícia, Frank Serpico, que nunca abdicou de lutar contra os focos de corrupção no interior da própria instituição policial. O cartaz de lançamento do filme apresentava-o através de uma sugestiva descrição: “Muitos dos seus colegas consideravam-no o mais perigoso homem vivo — um polícia honesto”.
Tendo como base um argumento de Waldo Salt e Norman Wexler, inspirado no livro em que Peter Maas reconstituiu a odisseia de Serpico, o filme ilustra as mais sofisticadas qualidades de Lumet. A saber: ele é alguém que sabe definir um contexto social particularmente complexo nas suas relações e tensões, ao mesmo tempo que não perde de vista as singularidades dramáticas de cada uma das suas personagens.
E se Pacino é genial na composição das mais subtis nuances do comportamento de Serpico, importa sublinhar que, à boa maneira do classicismo americano, este é também um filme exemplar na definição das suas personagens secundárias, interpretadas por actores como John Randolph, Jack Kehoe e Tony Roberts. Ainda a ter em conta: “Serpico” é uma das mais notáveis produções do italiano Dino de Laurentiis no interior da grande máquina de Hollywood, contando, entre outras contribuições artísticas, com uma banda sonora assinada pelo grego Mikis Theodorakis.