Um livro em que o escritor francês Michel Houellebecq relata os acontecimentos em torno da sua participação no filme pornográfico “Kirac 27”, além de esclarecer as suas ideias relativamente ao extremismo islâmico, chegará em outubro às livrarias portuguesas.
Este livro de não ficção (os direitos de autor dos romances de Michel Houellebecq pertencem à Alfaguara), que terá o título "Alguns meses na minha vida", seguindo o original francês, publicado em maio pela Flammarion, vai ser editado em Portugal pela Guerra e Paz até dia 10 de outubro, disse à Lusa o seu editor, Manuel Fonseca, que fez também a tradução.
"O grande centro do livro é a história de participação dele e da mulher dele num filme pornográfico feito por um realizador holandês, e que acabou em tribunal, onde ele se vem defender", disse o editor.
Houellebecq é "muito pormenorizado" relativamente ao que se passou com o filme pornográfico, em que argumenta que foi enganado, mas "a forma como ele trata o engano é que tem graça".
"Isto em si não era matéria para um livro, o que é matéria para um livro é a forma como ele aborda isto [...], sobretudo as opiniões dele são de escandalizar a maior parte dos leitores ou de um público que seja mais conservador", considerou Manuel Fonseca.
“Ele é um defensor da pornografia”
O autor de obras como "As Partículas Elementares" ou "O Mapa e o Território" decidiu esclarecer tudo num livro que se centra apenas no período que corre entre outubro de 2022 e março de 2023.
"Abarcando esse período, no fundo ele fala sobre duas coisas essenciais", a primeira das quais é a sexualidade a abarca a sua participação no filme.
"Ele tem uma visão da sexualidade, ele é um defensor da pornografia, e o que é bonito no livro é por que é que ele a defende e como", explicou Manuel Fonseca.
Racismo e extremismo islâmico
O segundo grande tema do livro tem a ver com uma "situação de declarações que ele fez numa entrevista dada a uma revista de Michel Onfray sobre a comunidade muçulmana em França, que levou a que o acusassem de racismo", acrescentou.
Houellebecq fala sobre a conversa que teve com o grande imã em França, sobre as discussões que teve, as acusações que lhe foram feitas e, depois, como é que ele, com a ajuda do rabino, se conseguiu aproximar e falar com o imã, explicou o editor.
O autor faz também uma "reflexão" sobre o extremismo islâmico, que diz que "pode conduzir, em França, a uma guerra civil", porque pode levar "substanciais fatias da população francesa" a tomarem atitudes para se defenderem desse extremismo islâmico.
É aqui que o escritor separa o extremismo da religião, afirmando que "como é evidente a prática da religião muçulmana não conduz a isso", e se distancia "da possível má leitura que poderiam fazer de uma entrevista que deu a Michel Onfray".
104 páginas sobre um período catastrófico
"Alguns meses da minha vida" é um livro pequeno, com 104 páginas, em que o autor revela como esse período de tempo foi - nas suas palavras - catastrófico para a sua reputação e saúde mental.
O escritor admite oscilar entre a depressão e o arrependimento, neste seu primeiro relato autobiográfico.
Em França, o livro, cujo título original é "Quelques mois dans ma vie, octobre 2022-mars 2023", foi editado em maio.
Tudo começou em novembro de 2022
Em novembro de 2022, Michel Houellebecq assinou um contrato com um realizador, Stefan Ruitenbeek, para um filme pornográfico, mas segundo o escritor, terá deixado claro que não queria estar reconhecível.
No 'trailer' do filme, feito pelo coletivo holandês Kirac, o escritor é apresentado em pijama, desfraldado, deitado numa cama a beijar uma jovem mulher de camisa de noite, imagem que levou Houellebecq a afirmar que a sua reputação tinha sido prejudicada e que tinha sido retratado como uma "estrela pornográfica".
Por isso interpôs ações em tribunal, primeiro em França e depois nos Países Baixos, para tentar proibir o filme, mas perdeu os dois casos, tendo o juiz, na última sentença, datada de março, declarado ser "incompreensível que Houellebecq tenha participado nas gravações, se achava o contrato realmente problemático".
O escritor recorreu da sentença e, em maio, o tribunal decidiu que o coletivo de artistas Kirac deve mostrar ao escritor o filme, antes de este poder ser transmitido ao público em geral.
A outra polémica teve origem em palavras que disse numa entrevista com o filósofo Michel Onfray, que o reitor da mesquita de Paris considerou ofensivas e pelas quais apresentou uma queixa, segundo a EFE.
"Quando territórios inteiros estiverem sob controlo islâmico, penso que haverá atos de resistência. Haverá ataques e tiroteios em mesquitas", afirmou o autor, que considera que "a grande substituição" é "mais do que uma teoria, é um facto" e que prevê que haverá "Bataclans ao contrário".
Embora admita ter relido a entrevista antes da sua publicação, afirma não se ter apercebido do prejuízo que as suas declarações poderiam causar à comunidade muçulmana e, no livro que agora publica, suaviza as suas palavras e pede perdão.