Ciência

Múmias mais antigas podem estar no Sudeste Asiático e datam de há 14 mil anos

Corpos preservados com calor e fumo mostram práticas funerárias complexas entre caçadores-recoletores do sudeste asiático, mais de 5 mil anos antes dos antigos egípcios.

Catarina Solano de Almeida

Uma equipa internacional de arqueólogos identificou indícios de que corpos humanos foram intencionalmente mumificados através de exposição prolongada ao fumo e ao calor há cerca de 12.000 a 14.000 anos.

Serão os exemplos mais antigos conhecidos de um processo de mumificação humana, revela o estudo, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS),

Os investigadores da Universidade Nacional Australiana analisara 54 enterramentos pré-neolíticos em 11 sítios arqueológicos no sul da China e no sudeste asiático.

Aplicaram técnicas laboratoriais especializadas, como a difração de raios-X e a espectroscopia no infravermelho, que permitem detetar alterações microscópicas nos ossos causadas por exposição prolongada ao fumo e a calor baixo.

Essas marcas não correspondem a incineração, mas a um processo controlado de secagem com fumo.

Crenças antigas de preservação dos corpos

Muitos dos esqueletos estavam em posições dobradas ou de cócoras, posturas que dificilmente poderiam resultar de processos naturais após a morte.

Os investigadores concluíram que os corpos foram manipulados e expostos durante longos períodos ao fumo de fogueiras, possivelmente suspensos ou colocados acima delas, de forma a preservar os tecidos.

Segundo o professor emérito Peter Bellwood, coautor do estudo, "esta técnica permitia manter os mortos visíveis durante meses ou até anos, em locais protegidos como casas, grutas ou abrigos rochosos".

"Este tipo de secagem com fumo é, até à data, o método mais antigo demonstrado de preservação intencional de cadáveres que conhecemos em qualquer parte do mundo", afirmou em comunicado.

Diferenças e semelhanças entre culturas distintas

A principal autora do estudo, a investigadora Hsiao-chun Hung, diz que técnicas semelhantes foram descritas em comunidades indígenas da Nova Guiné e da Austrália, no período de contacto com os europeus.

"Os enterramentos encontrados em Broadbeach, Queensland, na década de 1960, por exemplo, mostram semelhanças impressionantes nas posturas de amarração", disse Hung.

Para os investigadores, estas ligações sugerem uma continuidade cultural entre antigos caçadores-recoletores do sudeste asiático e comunidades indígenas mais modernas.

A técnica difere do que conhecemos sobre métodos utilizados em climas áridos (com baixa humidade) como o Egito, a Ásia Central e na Cordilheira dos Andes, na América do Sul, onde os corpos podiam ser secos naturalmente.

A técnica usada no Egito não podia ser usada no sudeste asiático devido ao clima húmido das regiões.

Estas evidências recuam em milhares de anos a origem da mumificação artificial, conhecida sobretudo a partir do Egito ou da cultura Chinchorro, no Chile, que datam de há cerca de 7.000 anos.

A investigação mostra que comunidades de caçadores-recoletores já tinham rituais funerários sofisticados e uma relação simbólica profunda com os mortos, revelando práticas de preservação bem anteriores às civilizações clássicas.

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