Revista do Ano 2019

Billie Eilish, a doce voz poderosa de uma nova geração

2019 foi o ano de afirmação de uma jovem de 17 anos que não se deixa levar por frivolidades e se afirma como porta-voz de uma geração sem medo de desafiar os poderes instalados.

Mike Blake

Mário Rui Vieira

No momento em que escrevemos estas linhas, Billie Eilish está a apenas dois dias de completar 18 anos. Coroando um 2019 que foi, sem grandes discussões, o ano dela, a artista norte-americana entra na maioridade com um dos álbuns mais elogiados dos últimos doze meses nas mãos, uma série de nomeações nas categorias principais para os prémios mais sérios da música americana, os Grammys, e dá já sinais de ter os olhos postos no futuro, com a recente edição do single ‘Everything I Wanted’, que aprofunda as suas capacidades de escritora de canções. Mas Eilish não é “apenas” a grande promessa da música pop, é acima de tudo um símbolo de uma geração cada vez mais ligada ao mundo e menos presa a frivolidades impostas pelas redes sociais e o advento de uma individualidade mais dada ao ego do que à substância.

Tendo tido o privilégio de assistir à forma empoderada como se apresenta em palco, quer num espaço mais íntimo quer numa grande arena, e de ouvir, ao vivo e a cores, uma voz que tem mais do que música para nos dar, sentimo-nos na obrigação de dizer que Eilish não é apenas mais uma estrela cadente que acaba de irromper num universo pop tradicionalmente governado pela ditadura do efémero.

Danny Moloshok

Numa era em que as verdades escritas em pedra rapidamente se prestam à erosão, não temos grandes dúvidas quando escrevemos: “veio para ficar”.

E porquê? Porque a jovem californiana é um daqueles raros casos que falam de forma tão séria à sua geração como àquelas que vieram antes dela. Quem compareceu à estreia em solo nacional, no grande palco da Altice Arena, em Lisboa, percebeu que interseccionalidade demográfica dos admiradores de Eilish é uma realidade.

Sejam os mais velhos a mostrar a sua música aos mais novos, sejam os mais novos a apresentá-la aos pais, amigos e conhecidos, o que é certo é que há um consenso alargado (nunca unânime, como convém a quem marca os tempos) quanto ao seu valor artístico.

Se pensarmos nas últimas décadas, dificilmente conseguiremos nomear um artista pop que arranque rasgados elogios a figuras tão díspares quanto Thom Yorke, Julia Roberts, Dave Grohl, Cyndi Lauper, Ellen DeGeneres, Elton John ou Melissa McCarthy (a lista de fãs célebres é infindável). A aprovação dos pares é importante, mas serviria de pouco se não encontrasse eco nas massas… E a legião de seguidores é mastodôntica: 45 milhões na rede social Instagram, que, nos dias que correm, parece ser a unidade de medida mais valorizada.

Os elogios que podemos tecer a canções tão bem escritas e interpretadas quanto ‘Bad Guy’ (o seu grande sucesso, até à data, e uma das canções mais badaladas de 2019), ‘Ocean Eyes’ (que marcou a sua estreia, com apenas 13 anos), ‘When I Was Older’ (inspirada no filme “Roma”) ou ‘Everything I Wanted’ valeriam menos se a eles não associássemos alguém que explora a sua criatividade das mais diversas formas – da moda à realização de vídeos – e traz consigo opiniões fortes para defender.

Quando nos sentámos com ela para uma curta mas intensa entrevista, em setembro, falou-nos não só de música como também de saúde mental, do seu questionamento constante do mundo e da sua visão ecológica, ampliada pelo facto de ser vegetariana: “sabem por que razão a Amazónia está a arder, seus cretinos? Sabem porquê? Porque para haver quintas com gado, para criar vacas e matá-las para as colocarem nos vossos pratos, começaram a derrubar árvores com o intuito de arranjar mais espaço. Como isso se tornou crime, passaram a incendiar florestas. E vocês, depois de darem uma dentada, afastam-se e partilham nas redes sociais a vossa indignação com os incêndios”. Concorde-se ou não com a sua visão, não há como ficar indiferente.

2019 não foi o início. Billie Eilish não é uma estrela cadente. O seu percurso ao serviço da música tem vindo a ser construído na última meia década, sempre acompanhado de perto por uma família que parece estar lá para a apoiar sem exigir demasiado – o irmão é o seu comparsa na hora de fazer música e o seu “melhor amigo”, a mãe e o pai vão com ela em digressão e acompanham-na em todos os momentos.

2019 foi o ano em que a vimos crescer e fincar os pés num território de areias movediças, deixando-nos com a certeza de que vamos continuar a acompanhá-la e a seguir de perto tudo aquilo que tem planeado para o futuro. Sempre prontos para sermos surpreendidos por uma música sem idade e uma figura que ainda não tem verdadeira noção do poder que tem na hora de mobilizar uma ou mais gerações.

Billie Eilish: a entrevista na íntegra da 'miúda-fenómeno'

Últimas