Margarida tinha 45 anos quando, depois de uma gripe forte, começou a sentir dores no corpo que nunca mais desapareceram. O diagnóstico chegou alguns meses mais tarde: fibromialgia, a doença crónica sobre a qual ainda há tanto por perceber.
“Fiquei quase completamente estendida num sofá, não aguentava nada, tinha muitas dores e perda de força. Qualquer tarefa era muito difícil”, contou à SIC Notícias a professora universitária.
Dor e fadiga, que podem mesmo ser debilitantes, perturbações do sono e/ou do humor e problemas de memória são apenas alguns dos sintomas associados à fibromialgia e à Síndrome da Fadiga Crónica, duas doenças diferentes, sem cura, mas que se podem manifestar de forma semelhante.
O resultado? Um impacto ‘brutal’ na vida dos doentes, ainda que nem sempre compreendido por quem está do lado de fora.
“Foram uns meses muito terríveis e assustadores, marcados por uma dor difícil de suportar. Reduzi talvez 40% a 50% das minhas atividades, de outra forma teria crises muito graves”, explicou Margarida Neves.
No auge da carreira, teve que optar por deixar de ter uma vida tão ativa. Hoje, assume-se “privilegiada” por ter conseguido ajustar os horários de trabalho à necessidade de descanso que a doença lhe impôs.
Um privilégio partilhado por poucos
É que, se por um lado há quem consiga manter o trabalho com “grande esforço e compreensão das entidades patronais”, há situações que deixam os doentes em estados de “grande fragilidade legal e social”, explicou à SIC Notícias Inês Afonso Lopes, fundadora e atual presidente da Myos - Associação Nacional Contra a Fibromialgia e Síndrome de Fadiga Crónica.
“Há pessoas que não têm essa abertura por parte das entidades patronais e são mantidas em baixa. Mas chega um ponto em que a baixa já não é prolongada. (...) Não têm direito à reforma, não têm direito à incapacidade nem pensões e também não conseguem manter-se nos locais de trabalho.”
Esta “pressão e exigência brutais” do mercado de trabalho, associadas ao estigma - muitas vezes alimentado por pares e chefias - de que estas doenças não passam de “preguiça ou exagero”, podem gerar situações limite, explicou a psicóloga Rita Canaipa.
“[Os doentes] sentem-se descredibilizados, criticados, como se houvesse uma espécie de distinção moral e isso compromete muito a capacidade que as pessoas têm de se adaptar. Se pudessem de facto ter formas de trabalhar mais saudáveis e não tivessem esse estigma associado, a grande maioria delas estaria bem integrada e estaria a trabalhar. (...) O estigma de ‘o que é que é isto, se é real, se é preguiça’ obviamente tem muitas consequências”, afirmou.
Consequências que se manifestam a nível emocional e que podem, muitas vezes, levar a quadros de depressão e de ansiedade que, por sua vez, tendem a agravar os sintomas já provocados pela fibromialgia e pela Síndrome da Fadiga Crónica. Como uma espécie de bola de neve.
Margarida chegou a sentir a incompreensão na pele. Um dos profissionais de saúde a quem pediu ajuda “nem sequer acreditava na existência da doença”, mas a professora universitária alerta: “Que se tenha a convicção absoluta de que não se trata de exageros de pessoas que não têm mais que fazer ou de preguiça”.
Apesar das dificuldades, há um caminho de adaptação que pode ser percorrido. Em conjunto com a medicação, é preciso aprender a viver com a doença e a gerir e minimizar as limitações que tem no dia a dia. É aqui que entra a ajuda da Myos.
A chave para o 'sucesso'
Criada em 2003 por quatro mulheres fibromiálgicas, a Associação Nacional Contra a Fibromialgia e Síndrome de Fadiga Crónica disponibiliza aquela que pode ser a chave para o ‘sucesso’ deste processo: informação.
“Depois do diagnóstico, há muito trabalho a ser feito pelo doente e muitas vezes ele não sabe muito bem o que é que há de fazer, porque só tomar a medicação não chega. Ensinamos como lidar com a dor, com o cansaço, com os problemas cognitivos, com o sono e como facilitar as atividades do dia a dia”, explicou à SIC Notícias Maria João Freire, outra das fundadoras da Myos.
Margarida conheceu a Myos depois do diagnóstico, encaminhada pelo médico reumatologista. E como ela, milhares de outros doentes crónicos, de todas as faixas etárias, procuram na associação este apoio.
“Tem tendência a haver mais mulheres, porque qualquer uma das doenças tem uma prevalência maior no sexo feminino, mas temos muitos homens também. Recebemos desde adolescentes até pessoas com 80, 90 anos”, revelou a fundadora Inês Afonso Lopes.
E se de 2003 até agora já “muito terreno foi percorrido”, Inês e Maria João - duas das quatro mulheres fibromiálgicas que há 21 anos fizeram nascer a Myos - defendem que ainda há muito por fazer, sobretudo a nível de legislação.
“O estatuto do doente crónico é uma coisa que era preciso mesmo implementar. E depois há uma tabela de incapacidades que é obsoleta, que não serve da forma como está feita”, disse Maria João à SIC Notícias.
“Há uns anos foram aprovadas na Assembleia da República resoluções para que o Governo incentivasse a adaptação dos postos de trabalho, aumentasse o reconhecimento da doença, mas depois não são implementadas na prática, mas as associações não desistem. Continuaremos sempre a tentar pressionar nesse campo também”, acrescentou Inês.
Parte do caminho está feito. Mas no Dia Mundial da Fibromialgia e da Síndrome de Fadiga Crónica, que se assinala todos os anos a 12 de maio, importa continuar a “desmistificar” que “não há doenças de primeira nem de segunda”, como explicou a psicóloga Rita Canaipa em conversa com a SIC Notícias, e que a ajuda existe e está, muitas vezes, à distância de um clique ou de um telefonema.
“Uma pessoa que fazia tudo e depois de repente precisa da ajuda de terceiros… às vezes é preciso uma grande capacidade de mudança interior para aprendermos a pedir ajuda”, mas é essa ajuda que pode fazer toda a diferença na vida de um doente crónico.
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