PSD e IL
Escrevo antes do IL apresentar uma nova proposta de Lei de Bases da Saúde, o "Sistema Universal de Acesso à Saúde (SUA-Saúde)", enquanto o PSD apresentou a "Agenda Mobilizadora 2030/2040" que assume contornos de programa eleitoral.
Ainda que o PSD e o IL não tenham seguido a mesma estratégia, a partilha de visão e de soluções é inequívoca, daí a tentativa de ensaio de uma análise conjunta.
Enquanto se espera pelo impacto do IL foi sobre o PSD que recaiu a mais alta expectativa da semana. Por se tratar do maior partido da oposição e por ter responsabilidade na condução da política de saúde do país, mas muito em particular pela necessidade de clarificar o que Luís Montenegro propõe para o setor.
Sendo o momento propício para alavancar alternativas dado o desgaste do governo, não há como ignorar a modéstia do impacto alcançado pelo PSD após dias repletos de iniciativas e mais de 90 medidas apresentadas.
É certo que a atenção se desviou para o relatório preliminar da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP e para os efeitos indesejáveis do Fortimel com moscatel quente. Mas o facto de a semana ter terminado sem que o PSD tenha conseguido marcar o debate em matéria de saúde, coisa que ficou muito mais a cargo dos sindicatos e das Ordens, devia merecer reflexão pela cúpula do partido.
Ainda mais quando o documento apresentado parte de um diagnóstico sério aos problemas, claro que omitindo os ganhos dos últimos anos. Há várias medidas interessantes e que merecem reflexão, mas há dois problemas no pensamento político que sustém a visão mais ampla sobre o setor, e esse problema é comum ao que se ouviu do IL.
Um desses problemas é "articular os sectores público, privado e social num sistema integrado". À parte de discordâncias ideológicas, há uma crítica de fundo a fazer: a fundamentação está por provar e destaco alguns exemplos.
Primeiro, não há referência a evidências internacionais que provem a virtuosidade deste sistema público-privado-social, ou se afinal o que está em causa é uma experimentação sem prova empírica. Segundo, falta perceber como se garante a articulação entre o SNS e prestadores privados e sociais se é suposto que compitam pelo financiamento do Estado, por profissionais e por doentes. Terceiro, como é que se compara o desempenho entre o SNS e o setor privado, em que ao primeiro cabe estar de portas abertas – incluindo a imigrantes ilegais, àqueles que deixam de conseguir pagar serviços privados e todos os que aguardam por vagas sociais – e o segundo pode simplesmente dizer que atingiu a sua capacidade instalada.
O outro problema é a suposta liberdade dos cidadãos para escolherem o seu médico de família e o seu check-up anual. Ao mesmo tempo que o PSD e IL insistem no argumento de que é preciso incorporar
a melhor evidência científica, neste caso parecem ignorar os debates académicos sobre os riscos destas medidas no agravamento das iniquidades em saúde. Isto, porque a capacidade das pessoas para decidirem está diretamente associada à sua literacia e outros recursos, o que sabemos que continua a limitar uma parte significativa da população portuguesa. Estranha-se a falta de reflexão que reconheça estes riscos e medidas que o mitiguem.
Em resumo, entre o diagnóstico, o pensamento político e as muitas soluções existem saltos lógicos que precisam de fundamentação, demonstração ou justificação.
Chega
Também anunciou o "compromisso de salvação da saúde em Portugal" como catalisador de propostas alternativas ao espaço "não socialista". Abordou as políticas de saúde a partir das áreas críticas do SNS que mais têm estado no espaço mediático, comprometendo-se, tal como o PSD, com métricas claras. Neste caso, conseguir até 2030 que todos os portugueses tenham médico de família, os tempos de espera por consultas e cirurgias sejam reduzidos para um terço e a formação de médicos aumente em 50%.
Curiosamente, a estratégia do Chega baseia-se numa visão diferente do PSD e IL, dado que assume o sistema de saúde tendo o SNS como eixo central e o recurso ao setor privado é definido de forma supletiva, ou seja, quando os serviços públicos não conseguem dar resposta em tempo útil.
André Ventura foi mais longe e fez um ato de contrição dos erros à oposição ao governo. Palavras como "obsessão", "compulsiva" e "demonização" caracterizam o que tem sido a ideologia da direita aos serviços públicos e ao SNS, segundo o líder do Chega.
A partir daqui não se percebe como é que o Chega irá fazer oposição ao governo quando a sua estratégia coincide com o que está inscrito na Lei de Bases da Saúde aprovada em 2019 pelo governo socialista, ainda com Marta Temido na pasta, e com a prática já em vigor, como se vê no envio de grávidas para maternidades privadas perante problemas no Hospital Santa Maria.
Este ato de contrição é, na verdade, mais um exemplo das contradições ideológicas que sinalizei quando falei sobre o modo como, também na saúde, o populismo da direita cavalga ondas imediatas de contestação. Importa situar esta súbita defesa do SNS à colagem com os sindicatos da saúde num momento em que assumem o principal destaque na oposição ao governo, com greves e muito tempo de antena.