Ana sempre desvalorizou as questões de saúde mental. Achava que a depressão era coisa de fracos ou de quem não tinha nada para fazer e jamais lhe passou pela cabeça que alguma vez pudesse ser atingida por ela. Um dia porém, sem perceber porquê, uma dor interior profunda, que nem sabia estar enterrada no mais íntimo de si, despertou. E durante 12 anos tirou-lhe a energia, a capacidade de trabalhar, o gosto de estar com amigos ou de brincar com a própria filha. Simplesmente, roubou-lhe a vontade de viver.
“Não houve nenhum gatilho, nada que espoletasse [a depressão]. Sem perceber porquê, num espaço de semanas, fui ficando cada vez mais triste, mais triste, mais triste, mais triste. Não tinha vontade de viver. Não conseguia ver mais nada além do fundo do poço”, conta, no mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”
Ana não compreendia a origem do sofrimento agudo que se apoderara dela. Nem ninguém percebia à sua volta. "As pessoas diziam-me: ‘Estás assim porquê? Tens uma família, um emprego, uma casa, tens isto, aquilo e aqueloutro.’ E era tudo verdade. Só que nada disso me fazia sentido. Nada disso me alegrava ou tirava a tristeza. É terrível. Só quem passa pela situação é que entende”, diz.
Apesar de ser uma das doenças mentais mais comuns, afetando cerca de 7% da população em Portugal, a depressão continua a ser muitas vezes incompreendida.
“Quem não teve uma depressão ou não se dedica a esta área tem muita dificuldade em perceber o vazio, a ausência de capacidade emocional de sentir prazer, vontade, iniciativa, gosto, motivação. São coisas que damos por adquirido, quando estamos bem, mas que podem perder-se”, explica Pedro Levy, psiquiatra no Hospital de Santa Maria.
Em cerca de um terço dos casos, trata-se de depressão grave ou crónica, com sintomas mais severos e persistentes e que por vezes não respondem aos tratamentos. Foi o caso de Ana, que durante 12 anos tomou antidepressivos e outra medicação forte, sem quaisquer sinais de melhoria.
Esgotada pela dor e sem esperança de alguma vez a vencer, acabou por fazer cinco tentativas de suicídio. “Eu queria mesmo partir. Achava que era um peso para o meu marido, para a minha filha, para toda a família e que o melhor era ir-me embora”, recorda.
Há cinco anos, porém, tudo mudou. Numa consulta no Hospital de Setúbal, Ana conheceu um psiquiatra que acabou por lhe “devolver a vida”, iniciando um processo de psicoterapia longo e “muito doloroso”, mas que a fez descobrir coisas da sua infância “que nem sabia que existiam”. E nunca mais voltou a ter nenhum tipo de sintoma depressivo.
Para Pedro Levy, o caso é ilustrativo de como, numa depressão grave, a medicação, só por si, dificilmente é suficiente. "A combinação com a psicoterapia é absolutamente indispensável”, frisa.
No mais recente episódio do podcast, o psiquiatra do Hospital de Santa Maria explica os fatores que estão na origem da depressão grave e as novas opções terapêuticas que têm vindo a ser desenvolvidas nos últimos anos, salientando que em cerca de 50% dos casos é possível alcançar a cura, sem voltar a haver recaídas.
Foi o caso de Ana. “Agora tenho uma sede de viver enorme. Os anos que me faltam vão ser poucos para compensar os doze em que não vivi”.
“Que voz é esta?” é o nome do podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento dão voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, ouvindo igualmente os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, fala-se de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.