Um teste de Português do 9.º ano da Escola Secundária Gabriel Pereira, em Évora, desafiou os alunos a colocarem-se na pele de uma prostituta ou de um explorador sexual (proxeneta ou cliente de prostituição). O objetivo era escreverem um texto em que expusessem os “pensamentos” da vítima ou do criminoso.
A prova foi revelada nas redes sociais e tem gerado polémica.
A SIC Notícias contactou a escola para tentar perceber o enquadramento da avaliação. Fernando Farinha Martins, diretor da Secundária Gabriel Pereira, esclareceu que a questão incidia sobre a obra “Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente, que faz parte das metas curriculares e das leituras recomendadas do Plano Nacional de Leitura para o 9.º ano.
Acrescenta ainda que o exercício insta os alunos a pensar com base na personagem Brísida Vaz, uma proxeneta, numa obra em que o tema da sexualidade é transversal. No entanto, admite que a questão podia ter sido “eventualmente colocada de outra forma”.
“A única questão que se podia pôr é se é tecnicamente discutível, se as questões estão bem postas e se podiam ser colocadas de outra forma”, afirma, ressalvando que o próprio não é professor da disciplina e que não tem presente a obra.
À escola ainda não chegou nenhuma queixa dos pais, garante Fernando Farinha Martins, mas o assunto já foi abordado com a professora responsável pela autoria do teste e com a coordenadora do departamento, a quem foi pedido um relatório. Esta quarta-feira, o agrupamento emitiu um comunicado em que reitera a pedagogia do exercício que tem como objetivo a “construção de um juízo crítico”.
“É prática comum na disciplina de Português levar os alunos a reconhecer os valores culturais, éticos, estéticos, políticos e religiosos manifestados nos textos, suscitando um paralelo com a atualidade e com as problemáticas sociais”, lê-se na nota.
À SIC Notícias, o diretor questiona as intenções por trás da partilha do teste nas redes sociais e alega que terá sido feita por uma pessoa sem ligação ao estabelecimento de ensino. No comunicado, diz que a escola tem sido alvo de “notícias difamatórias (…) com intenções ocultas" de alguém "muito consciente do que está a fazer”.
“O Agrupamento de Escolas Gabriel Pereira manifesta a sua indignação pelo facto de se continuarem a divulgar nas redes sociais conteúdos descontextualizados que são aproveitados por alguma comunicação social, não com o propósito de informar, mas com o de descredibilizar a classe profissional dos docentes e a escola pública, provocando um clamor desajustado.”
Segundo Fernando Farinha Martins, a indignação estende-se aos alunos, que se têm mostrado solidários com a professora. O diretor pediu, inclusive, à professora para deixar os pais terem acesso aos textos escritos pelos educandos, e diz-se até satisfeito com a qualidade dos textos apresentados.
“Não é possível fugir à questão da prostituição” no Auto da Barca do Inferno
Contactada pela SIC Notícias, uma professora de Português que não faz parte do Agrupamento de Escola Gabriel Pereira afirma que "não é possível fugir à questão da prostituição" ao abordar a obra “Auto da Barca do Inferno” e relembra que não são os professores a definir as obras e os temas programáticos, sendo alguns deles “altamente provocatórios”.
Admite que seja difícil para jovens de 14/15 anos colocarem-se neste papel, mas sublinha que um dos intuitos da disciplina é “criar miúdos com criatividade e capacidade de empatia, abrir horizontes e modos de estar diferentes”. Diz, por isso, que se a questão for bem direcionada não tem que ser um choque.