O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, anunciou esta sexta-feira a demissão do cargo, na sequência da acusação do seu motorista de homicídio por negligência no caso do atropelamento mortal de um trabalhador na A6.
Os pedidos de demissão multiplicaram-se recentemente depois do carro em que o ministro seguia, que circulava em excesso de velocidade, ter atropelado mortalmente um trabalhador na autoestrada. Foi o mais recente caso controverso a envolver o ministro, mas não o único.
Desde 2017, ano em que chegou ao Governo para substituir a sua antecessora, Constança Urbano de Sousa, que o ministro tem estado envolvido em polémicas.
As falhas do SIRESP, um ‘presente’ da sua antecessora
A polémica já vinha de trás, mas “calhou-lhe” nas mãos quando chegou ao Governo, em 2017, para substituir Constança Urbano de Sousa. Era ministro adjunto, mas a confiança de António Costa em Cabrita era tal que o chamou para o lugar de ministro da Administração Interna depois da tragédia dos incêndios de 2017.
Em 2017, o SIRESP - rede de comunicações para situações de emergência e segurança - esteve indisponível nove mil horas. Em abril de 2018, o Conselho de Ministros aprovou um investimento de 15,6 milhões de euros neste sistema, mas foi chumbado duas vezes pelo Tribunal de Contas.
Em maio de 2019, e em vésperas de mais uma época de incêndios, a Altice ameaçou cortar o sinal da rede devido a uma dívida de 11 milhões de euros do Estado. Após esta ameaça, as negociações entre o Estado e a empresa gestora do SIRESP levaram a que, em junho, o Governo chegasse a um acordo com a Altice para nacionalizar o mecanismo.
A transferência foi feita a 1 de dezembro de 2019 e o Estado pagou cerca de sete milhões de euros para ficar com 100% do capital do SIRESP.
Depois dos incêndios de 2017, quando foram públicas as falhas no sistema, foram feitas várias alterações ao SIRESP, passando a rede a estar dotada com mais 451 antenas satélite e 18 unidades de redundância.
Anos à espera de uma resposta sobre os Kamov parados
Em janeiro de 2018, tornou-se público que todos os helicópteros de socorro Kamov estavam impedidos de voar e que, desde novembro anterior, o Estado só tinha um helicóptero disponível, exemplar esse que ficou indisponível depois de ter sido alvo de uma inspeção, em janeiro.
Seis meios aéreos pesados parados durante anos e que, para os substituir, o Estado gastou 12,6 milhões de euros no aluguer de três Kamov.
Comprados em 2006, encontram-se há anos inoperacionais. Em abril de 2021, Eduardo Cabrita afirmou que a Força Aérea “está a concluir as análises técnicas” para que sejam tomadas decisões sobre a sua utilidade operacional ou sobre outras decisões de Estado.
O braço de ferro com os bombeiros
No final de 2018, Eduardo Cabrita viu-se envolvido numa nova polémica, desta vez em forma de “braço de ferro” com os bombeiros, na sequência da aprovação da reforma da Proteção Civil, que contemplava a criação de um comando autónomo dos bombeiros e de uma direção nacional de bombeiros autónoma, independente e com um orçamento próprio.
A proposta não agradou à Liga de Bombeiros, que a considerou “completamente desajustada da realidade do país” e, por isso, decidiu abandonar o sistema nacional de proteção civil. Na altura, Eduardo Cabrita afirmou tratar-se de uma saída ilegal e que, como resposta, seriam avaliados os eventuais procedimentos criminais.
Depois de várias trocas de acusações entre bombeiros e ministro, chegando os primeiros a acusarem o governante de “má fé” e “desonestidade política e intelectual”, o Presidente da Liga de Bombeiros chegou a ponderar uma queixa-crime contra Cabrita.
O “final feliz” aconteceu em dezembro, quando a Liga dos Bombeiros decidiu suspender o protesto e retomar as comunicações com a Proteção Civil. Decisão tomada depois de uma reunião com o ministro da Administração Interna, em que este cedeu a várias exigências dos bombeiros. Cabrita elogiou o esforço de diálogo.
Golas antifumo, o kit da Proteção Civil que inflamou Cabrita
A mira voltaria a estar apontada a Cabrita no verão de 2019. E tudo por causa das polémicas golas antifumo que, afinal, eram inflamáveis.
Setenta mil golas antifumo fabricadas com material inflamável e sem tratamento anticarbonização, que custaram 125 mil euros, foram entregues pela proteção civil no âmbito do programa "Aldeia Segura - Pessoas Seguras".
Primeiro Cabrita irritou-se com a notícia, depois ordenou a abertura de um inquérito e acabou a rejeitar qualquer responsabilidade política.
O presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, Mourato Nunes, e o ex-secretário de Estado da Proteção Civil Artur Neves foram constituídos arguidos em setembro de 2019 na investigação ao negócio das golas antifumo.
Poucos dias depois, o adjunto do secretário de Estado, Francisco Ferreira, demitiu-se do cargo, após ter sido noticiado o seu envolvimento na escolha das empresas que produziram os kits de emergência que incluíam as golas.
O homicídio de Ihor Homeniuk no aeroporto de Lisboa
Uma das polémicas mais flagrantes e que mais pedidos de demissão motivou foi o homicídio de um cidadão ucraniano nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, organismo na tutela do Ministério da Administração Interna.
Apesar das críticas e da chuva de pedidos da sua demissão, relacionadas com o atraso na instauração de um inquérito ao caso e no pagamento de uma indemnização à família, Eduardo Cabrita afirmou que o Ministério fez o que lhe competia e continuou no cargo.
Sobre o facto de a indemnização da família da vítima surgir apenas nove meses depois da morte, o ministro justifica com o ritmo da evolução do processo criminal.
Em maio deste ano, os ex-inspetores do SEF acusados da morte de Ihor Homeniuk foram condenados a penas de prisão efetiva entre os sete e os nove anos, por ofensa à integridade física agravada pelo resultado (morte).
Segundo a acusação, Ihor Homeniuk morreu por asfixia lenta, após agressões a pontapé e com bastão perpetrados pelos inspetores, que causaram ao passageiro a fratura de oito costelas. Além disso, tê-lo-ão deixado algemado com as mãos atrás das costas e de barriga para baixo, com dificuldade em respirar durante largo tempo, o que terá causado paragem cardiorrespiratória.
A morte de Ihor Homeniuk à guarda do SEF motivou uma crise política, a que se seguiu uma reestruturação deste serviço, que o ministro da Administração Interna justificou estar há muito prevista no programa do Governo.
Odemira: o surto de covid-19 que revelou mais uma falha
Ainda decorria o processo do homicídio de Ihor Homeniuk quando Eduardo Cabrita se viu a braços com mais um caso controverso. Um surto de covid-19 em Odemira, sobretudo no seio de migrantes que trabalhavam nos campos agrícolas, revelou as condições desumanas em que estes viviam.
Em denúncias a que a SIC teve acesso, foi possível verificar que numa moradia na Zambujeira do Mar viviam mais de 30 pessoas. Amontoavam-se por beliches e em compartimentos. Condições que ajudaram na propagação e difícil contenção da covid-19.
A polémica tomou proporções maiores mais tarde quando o Governo pediu a requisição do Zmar, um complexo turístico em Odemira, para alojar infetados. A forma como decorreu o processo de transferência dos imigrantes para o Zmar, feito pela GNR de madrugada e com forte dispositivo policial, gerou também uma onda de críticas.
CDS-PP, PSD, Chega e Iniciativa Liberal pediram a demissão de Cabrita, acusando-o de não saber gerir a situação.
O passar de culpas na festa leonina
Chegados a maio de 2021, a festa do título do Sporting veio aumentar a lista de polémicas - já longa - de Cabrita, quando milhares de sportinguistas saíram à rua, em plena crise pandémica, resultando em desacatos com a polícia.
O ministro da Administração Interna afirmou, na altura, que o Sporting não colaborou no inquérito aos festejos do título. A resposta do clube não tardou: em comunicado, o Sporting revelou que ao longo de três semanas tentou sensibilizar o Governo e o MAI para a possibilidade de organizar as celebrações.
A troca de acusações não ficou por ali e Eduardo Cabrita quis esclarecer. O ministro da Administração Interna insistiu que não é competência do Governo "organizar festejos", mas apenas garantir o modelo operacional de segurança dos eventos.
Ouvido, em setembro, no Parlamento, disse que não podia ter evitado os festejos e voltou a recusar responsabilidades no caso.
Atropelamento mortal: o caso que motivou a demissão
Com as polémicas a acumularem-se, a mais recente e derradeira aconteceu em junho de 2021.
O carro que transportava o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita atropelou mortalmente um trabalhador na A6. O ministro regressava de uma deslocação oficial a Portalegre para presidir à Cerimónia de Juramento da Bandeira de Guardas da GNR. A vítima era um trabalhador, de 43 anos, que fazia a manutenção da via.
Durante meses, o ministro da Administração Interna recusou prestar esclarecimentos sobre o sucedido, escudando-se na confiança política que António Costa mantinha em si para recusar responder aos pedidos de demissão que se multiplicavam.
As suspeitas de que a viatura seguia em excesso de velocidade vieram a confirmar-se esta sexta-feira, depois de ter sido tornada pública a acusação do Ministério Público, que revela que o carro circulava a 163 quilómetros por hora.
O motorista do ministro foi acusado de homicídio por negligência e Eduardo Cabrita anunciou, na sequência, a sua demissão. Para além da responsabilidade política que lhe era apontada, o governante foi várias vezes criticado pela sua falta de sensibilidade com a família da vítima.
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