Um gesto que pode simbolizar “OK”, “zero” ou, mais recentemente, conotado com a extrema-direita e a “supremacia branca”: a mão aberta com o indicador a tocar no polegar. Foi este o símbolo mais visto na quinta-feira na manifestação das forças de segurança por melhores salários e condições de trabalho.
O Movimento Zero
Durante o protesto, “zero” foi a palavra mais ouvida, numa referência ao Movimento Zero, que surgiu em maio deste ano na sequência da condenação de vários agentes da PSP por ofensas à integridade física e injúrias a moradores do Bairro da Cova da Moura, nos arredores de Lisboa. São um coletivo de profissionais da PSP e da GNR que se associou à manifestação conjunta organizada pela Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) e a Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR), as estruturas mais representativas da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana.
Uma das ações mais notórias do Movimento Zero foi um protesto a 12 de julho, em Lisboa, durante a cerimónia de aniversário da PSP. Os polícias vestiram camisolas brancas e voltaram-se de costas quando o diretor nacional da PSP, Luís Farinha, começou a falar. Quando o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, discursou, os polícias saíram em silêncio e de forma ordeira, levantando os braços e fazendo o mesmo gesto.
O símbolo, que em 2017 foi associado à extrema-direita, gerou polémica nas redes sociais, em parte pela acusação da “Comissão de Polícias pela dignidade e dignificação da Polícia” de que o Movimento Zero está colado a partidos de extrema-direita. Segundo o jornal Público, esta intitulada comissão enviou um comunicado a 15 de novembro a delegados sindicais da PSP e das associações da GNR onde acusava o Movimento Zero de estar ligado ao partido Chega, de André Ventura – que discursou na manifestação - e a “outras forças políticas de extrema-direita".
Uns dias antes, a 13 de novembro, o presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), António Nunes, fez saber que o aparecimento do Movimento Zero era "preocupante" e podia ser perigoso.
Em declarações à agência Lusa, António Nunes explicou que um dos grandes perigos de movimentos como este é que são "facilmente inflacionáveis para movimentos radicais ou de violência" e "estão sujeitos a uma infiltração de movimentos de extrema-direita ou extrema-esquerda", que manifestam as suas exigências "de forma violenta".
Entretanto, membros do Movimento Zero ouvidos pelo Observador rejeitaram qualquer ligação à extrema-direita.
Como surgiu a ligação do símbolo à extrema-direita?
O alerta surgiu em outubro, pela Liga Antidifamação (ADL), uma associação norte-americana que monitoriza crimes de ódio. O gesto entrou para a lista dos símbolos de ódio depois de começar a ser utilizado por grupos extremistas como a expressão de “white power” (supremacia branca, em português).
Esta ligação remonta a 2017, ao 4Chan, uma espécie de plataforma onde os utilizadores podem publicar anonimamente. Na altura, a ideia era convencer os jornalistas de que o gesto de “OK” era, na verdade, um símbolo do poder supremacista branco: os três dedos esticados formavam a letra "W" de white (branco, em português), enquanto o polegar e o indicador fechado simbolizam a letra "P" de power (poder).
A ideia acabou por ser bem recebida por grupos de extrema-direita, como os norte-americanos Proud Boys, que começaram a usar este sinal para se identificarem. O símbolo acabou por ganhar uma nova conotação, de tal maneira que, já em 2019, o autor do massacre em Christchurch, na Nova Zelândia, acusado de matar 51 pessoas, fez o gesto quando foi apresentado ao tribunal.
O contexto
No entanto, a ADL alerta que, na maior parte das vezes, o uso do gesto ainda indica aprovação ou que algo está bem. Em resultado disso, recomenda "cuidados especiais para não serem tiradas conclusões precipitadas sobre a intenção de alguém que usou o gesto", e que a sua associação à supremacia branca só deve acontecer no caso de existirem “provas contextuais para suportar a alegação”.
O gesto em causa surgiu no século VXII, na Grã-Bretanha, como símbolo de “OK”. Em mergulho, por exemplo, significa que está “tudo bem”. Nalgumas culturas, tem uma conotação negativa relacionada com zero. O gesto foi escolhido pelo Movimento Zero e foi várias vezes utilizado na manifestação de quinta-feira, cujo lema era “tolerância zero”.
Entretanto, o Polígrafo respondeu à questão: "Polícias do Movimento Zero fizeram gesto racista de "supremacia branca" na manifestação?".